Com 90% das urnas apuradas, o nacionalista Ollanta Humala é o presidente eleito do Peru, com 51,4% dos votos contra 48,6% da candidata da direita, Keiko Fujimori. A diferença ainda deve aumentar um pouco. Foi a eleição presidencial mais disputada da história do Peru.
Por Idelber Avelar [06.06.2011 13h15]
Com 90% das urnas apuradas, o nacionalista Ollanta Humala é o presidente eleito do Peru, com 51,4% dos votos contra 48,6% da candidata da direita, Keiko Fujimori. A diferença ainda deve aumentar um pouco. Foi a eleição presidencial mais disputada da história do Peru. A demografia do voto guarda certa analogia com a evolução do mapa eleitoral brasileiro ao longo desta década, com a centro-esquerda se impondo por boa margem entre os setores populares e perdendo por diferença menor entre as classes médias urbanas.
Ollanta venceu em 18 departamentos (estados), localizados nas regiões selvática, andina e litorânea do sul. Keiko Fujimori venceu nos 7 restantes e na região metropolitana de Lima, todos, com uma exceção (San Martín), regiões litorâneas. No Peru, é marcante a diferença racial entre a costa, que inclui a capital, Lima, e as regiões serrana e amazônica, onde predominam os indígenas e os “cholos” (termo de conotação racista que designa os mestiços de aparência indígena).
A exemplo do que aconteceu no Brasil, a vitória de Ollanta já deu margem a uma série de manifestações racistas nas redes sociais, com peruanos de classe média insultando índios e cholos e prometendo fazer as malas para os EUA. A eleição teve outros episódios interessantes, como a ruptura de Vargas Llosa com o grupo midiático El Comercio, com o qual ele sempre colaborou. Vargas Llosa, depois de declarar que a escolha entre Ollanta e Keiko seria uma opção “entre o câncer e a AIDS”, decidiu-se pelo que chamou de “mal menor”, Humala, e subitamente descobriu que El Comercio era um jornal direitista e manipulador.
Além da intensa campanha midiática em favor de Keiko Fujimori, a coalizão nacionalista enfrentou dois grandes obstáculos nos dias que antecederam a votação. Na região de Puno, no extremo sul do país, fronteira com a Bolívia, mais de 10.000 aimarás tomaram as estradas, depois de 20 dias de intensos protestos contra os contratos de mineração. Os protestos incluíram agressões a jornalistas e vandalismo contra automóveis e propriedades públicas, no que vários líderes populares qualificaram como ação de grupos alheios ao movimento, que teriam atuado com o propósito de tumultuar as eleições em região de forte maioria nacionalista. No sábado, na histórica Cuzco, a antiga capital do império inca, cinco soldados foram assassinados quando se dirigiam a uma patrulha no povoado de Choquepira, em emboscada atribuída ao Sendero Luminoso mas de autoria ainda não reivindicada.
Apesar das tensões, a vitória de Ollanta no chamado corredor cultural quechua foi contundente. Em Puno, o candidato nacionalista venceu por 78% a 22%. Em Cuzco, onde só recentemente a população não-indígena chegou a 30%, a vitória de Humala foi por 77% a 23%. No outro extremo do país, no departamento mais extenso do Peru, o amazônico Loreto—que faz fronteira com o Equador, a Colômbia e o Brasil–, a coalizão nacionalista venceu com margem razoável, 57,5% a 42,5%, diferença que se repetiu em várias outras províncias amazônicas e andinas. A vantagem de Keiko Fujimori na região metropolitana de Lima (58% a 42%) e alguns outros estados litorâneos não foi suficiente para reverter a liderança de Ollanta no resto do país.
A vitória de Humala põe fim a 20 anos de governos neoliberais no Peru: Alberto Fujimori (1990-2000), Alejandro Toledo (2001-2006) e Alan García (2006-2011), este último proveniente de um partido de raízes populares, o APRA, governaram sem grandes políticas de distribuição de renda. O Peru é hoje o país que mais cresce na América Latina, a taxas de 7%, mas seus índices de pobreza e miséria têm se mantido inalterados, graças a um modelo extrativista e exportador de commodities, com baixíssima retenção fiscal pelo estado. Humala encara o desafio de capitalizar o estado, distribuir renda e satisfazer as demandas dos movimentos populares sem grandes solavancos na estabilidade macroeconômica, que ele prometeu manter. Não será fácil: a guerra de nervos já começou na Bolsa de Valores de Lima, que despencou 8,7% nesta segunda e teve suas atividades suspensas. A estratégia pós-eleitoral de Humala segue os passos de Lula: em declarações feitas hoje, prometeu um governo de “concertación nacional”. Mas o ex-ditador Fujimori deve ser mesmo transferido de um quartel para uma prisão comum. A especulação acerca do ministério de Humala também já começou. Vargas Llosa deu hoje declarações defendendo o nome de Beatriz Merino para o cargo de Presidente do Conselho de Ministros. Merino já exerceu esse cargo no governo de Alejandro Toledo e é ex-funcionária do Banco Mundial.
Da revista Fórum