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"Passagem de ônibus de graça" – Entrevista de Leonel Camasão ao "A Notícia"

Foto: Leo Munhoz
PRÉ-CANDIDATOS A PREFEITURA DE JOINVILLE
Passagem de ônibus de graça

A candidatura a deputado em 2008*, quando era desconhecido e fez cerca de mil votos em Joinville, levou o jovem Leonel Camasão (PSOL), de 25 anos, a buscar mais oportunidades na política. O desejo de concorrer à Prefeitura em 2012 ainda deve ser avaliado no partido, mas é uma maneira de o PSOL marcar presença no pleito municipal

Subsídio e tarifa zero no transporte público
“O transporte público acessível é uma das principais propostas do PSOL. Melhora a mobilidade e o planejamento. Para isso, é preciso criar uma estrutura que regule o sistema de ônibus. O serviço continua a ser feito por empresas, mas quem controla é a Prefeitura. Nesse sistema, aplicaríamos subsídio para chegar à tarifa zero. O dinheiro poderia vir de multas de trânsito, dos estacionamento públicos. O pagamento às empresas seria por quilômetro rodado, não por passageiros.”
Eleição direta para diretores
“Eleição direta para diretores é uma de nossas bandeiras e uma maneira de acabar com cargos comissionados também. Ela foi uma bandeira do PT no passado, mas não teve mudanças com o governo Carlito. Há exemplos interessantes em outras cidades, onde há eleições diretas para diretor, onde as escolas são melhor avaliadas. Há mais comprometimento, os pais participam mais da escola, porque são eles que escolhem o diretor, que tem autonomia para lutar por melhorias.”
Inversão da cobrança de impostos
“Defendemos uma inversão na lógica da cobrança dos impostos. Nossa visão é de que, quem tem uma renda maior, deve ser mais taxado. Quem tem renda menor, paga menos. Os maiores devedores do IPTU são grandes empresários ou empresas. É preciso fazer com que eles, que têm outras formas de sobreviver, paguem a dívida. Em último caso, pode-se até pensar na expropriação do terreno para uso público. Defendemos essa lógica para qualquer imposto.”
PLANEJAMENTO
“Pensamos o planejamento em duas linhas: a da mobilidade, que é uma das prioridades, e da habitação, que ajuda a controlar um crescimento desordenado. A proposta é de um programa habitacional consistente, que vai além do Minha Casa, Minha Vida, que hoje funciona mais como programa de aquecimento econômico do que programa de moradia. E precisa ser moradia para baixa renda. O Minha Casa, Minha Vida visa a erradicar a falta de moradia para a classe média e atinge 10%, 15% das classes mais pobres. Defendemos um programa municipal que atenda aos menos favorecidos.”
SAÚDE
“Precisamos retomar o controle efetivo do SUS. A Constituição determina que o SUS seja prioritário e a saúde privada seja complementar. Hoje, está equiparado. Em Joinville, mais ainda, até por causa desses hospitais privados que estão sendo construídos. O investimento privado desequilibra o SUS em Joinville. Não é à toa que a maior demanda em especialidades é por oftalmologista e se constrói um hospital de olhos na cidade, isso não é coincidência. A proposta do PSOL é investir pesado na Saúde, principalmente nas especialidades. Em um primeiro momento, poderia até ser feito mutirões, mas com cautela, para não exaurir os servidores da saúde. O reajuste para os médicos é bem-vindo. Também investiríamos no Programa Saúde da Família. Com mais prevenção, temos menos necessidade de alta complexidade. Outra questão importante é lutar por mais comprometimento federal com a Saúde. Só o município não dá conta.”
EDUCAÇÃO
“Uma proposta é inserir mais atividades complementares no currículo da educação, como aulas de artes, música, de cultura afro-brasileira, esportes, orientação sexual etc. Isso tem que ser feito aos poucos, começando com algumas experiências. A outra proposta é eleição direta para diretores.”
MOBILIDADE
“Há obras viárias que serão inevitáveis, mas não defendemos grandes elevados, grandes obras viárias, até porque não resolvem o problema. Esses grandes eixos, como o Eixão, mudam o congestionamento de lugar. A saída, além do transporte coletivo, é apostar em ciclovias. Talvez poderia ser discutido o anel viário, mas ele também pode ter problemas. É normal que dentro do anel, a cidade se desenvolva. Fora, cria-se uma periferia sem estrutura, com mais problemas ainda no transporte. Mas apostamos muito na tarifa zero do ônibus. Você melhora muito a mobilidade.”
SEGURANÇA
“O município pode trabalhar mais em relação à Defesa Civil. Temos que fazer limpeza de rios, drenagem do Cachoeira. Isso diminui o impacto das enchentes. A questão de policiamento, que não é competência do município, mas deve ser discutida, é a unificação e desmilitarização das polícias.”
MEIO AMBIENTE
“Hoje, órgãos ambientais trabalham muito para emitir licenças para obras e nada mais. A política ambiental passa por ampliação da fiscalização, com mais fiscais. E é necessário a universalização do saneamento básico, algo que não dá para fazer em quatro anos, mas que pode ser iniciado. Nesse ponto, defendemos uma Águas de Joinville inteiramente pública, sem participação privada.”
LAZER E TURISMO
“Hoje, as praças são cada vez mais feitas de concreto, de pedra. Acho que deveria ter grama, verde. Tem que ter mais praças, mais espaços de lazer na periferia. Não sei se o Parque da Cidade cumpre a demanda, mas tem que manter ele funcionando. Tem que reformar o Mirante, o Caieira. Não descartaria a construção de um grande parque. Agora, o que sentimos falta mesmo é de bibliotecas, de espaços culturais, de convivência.”
GESTÃO
“A estrutura é inchada e há ineficiência em algumas secretarias. Uma das primeiras medidas é extinguir as secretarias regionais. Os funcionários poderiam ser aproveitados em outras áreas. Geraria economia. Outra questão é a remuneração dos cargos comissionados. Londrina tem 300 cargos comissionados. Joinville, com o mesmo porte, tem 600. Precisamos combater inadimplência do IPTU e aumentar a arrecadação e implantar o IPTU progressivo. Quem tem mais vai pagar mais.”
 rogerio.kreidlow@an.com.br

"Impasse" no Clube de Cinema, hoje às 19 horas

Em maio e junho de 2010, milhares de pessoas foram às ruas de Florianópolis para protestar contra o aumento da tarifa do transporte coletivo. Além de cenas que não foram exibidas em nenhuma tevê, incluindo flagrantes de violência durante os atos públicos, Impasse revela o que pensam usuários, trabalhadores, especialistas e empresários do transporte.

Expõe as contradições e as diferenças de posição dos estudantes, dos representantes do governo municipal e do governo estadual. Discute questões que se entrelaçam e se completam: Por que a cidade se tornou um símbolo na luta pelo transporte público? O que aconteceu durante a ação da polícia militar na Universidade do Estado de Santa Catarina? Por que a mobilidade urbana é um dos grandes temas do século XXI? Existe, afinal de contas, saída para este impasse?

Entrevista na Cultura AM: Professor Valmir defende "goverrnabilidade popular"

O candidato do PSOL ao governo de Santa Catarina, Professor Valmir Martins, defendeu durante entrevista à rádio Cultura AM de Joinville a “governabilidade popular”. Questionado como iria governar, caso eleito, sem maioria na assembleia, o candidato respondeu. “Para me eleger, seguramente terei mais de um milhão de votos. Vou garantir a governabilidade com esse um milhão de eleitores. Se for preciso protestar e pressionar a assembleia legislativa para aprovar nossos projetos, vamos mobilizar a população”, afirmou Valmir.

Além disso, Valmir Martins defendeu a auditoria da dívida pública, a aprovação da emenda 29, que obriga o governo federal a investir 10% da riqueza nacional em saúde, assim como a proposta de Tarifa Zero no transporte coletivo.

A entrevista foi acompanhada pelos candidatos Leonel Camasão (federal) e Tânia Ramos (estadual).

"Business e não serviço público" – Entevista com Lucio Gregori

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Ex-secretário de transportes de São Paulo, Lúcio Gregori, faz uma avaliação do sistema de transporte coletivo e critica a falta de caráter público

21/12/2009

Michelle Amaral,
da Redação

A situação do transporte público em São Paulo, na avaliação de especialistas, está à beira do caos. Superlotação, má qualidade do serviço prestado e um alto custo para aqueles que o utilizam são algumas das deficiências do sistema de transporte público da capital paulista.

Em entrevista por e-mail ao Brasil de Fato, o engenheiro Lúcio Gregori, que foi secretário de transportes da cidade de São Paulo na gestão da prefeita Luiza Erundina, então do PT (1990-1992), aponta as debilidades do sistema e os problemas enfrentados pelos usuários do transporte coletivo no dia-a-dia.

Segundo Gregori, para além da capital paulista, “o transporte coletivo no Brasil é, no máximo, sofrível e, em alguns casos, se não na maioria, vergonhoso”. O engenheiro explica que a matriz do transporte no país está centrada no transporte individual e rodoviário, sem priorizar o coletivo. “A prioridade é do carro, depois o ônibus e depois outras modalidades. Ou seja, não há política nacional, estadual ou municipal que, de fato priorize o transporte coletivo de qualidade e de caráter público, isto é, acessível para a maioria”.

Para a avaliação do sistema de transporte público, Gregori destaca que devem ser considerados vários elementos, como condições de conforto e segurança dos usuários, número de passageiros transportados nos horários de pico, nível de ruído interno dos veículos utilizados, qualidade das vias, dificuldades de embarque e desembarque, percursos para captar passageiros para maior lucratividade versus tempo de deslocamento das pessoas, entre outros.

A conclusão do engenheiro é de que, por todos esses fatores e a forma como o setor tem sido conduzido, “o transporte coletivo é tratado como ‘business’ e não como serviço público”.

Quais são os principais empecilhos para a mobilidade urbana no país?
Lúcio Gregori: O transporte coletivo colocado a reboque do transporte individual no que tange a investimentos e custeio; a lógica empresarial via concessão dos serviços tarifados e a secular capacidade de dominação política sobre os mais pobres, que pela nossa tradição, aceitam quase que qualquer desaforo. Quem sabe uma forma de impedir a livre movimentação dos chamados do andar de baixo, pois se eles acessarem todos os benefícios de uma cidade poderão causar incomodo aos de cima ou que o acesso aos bens e serviços os “acostumarão mal”. Em poucas palavras: falta vontade ou, melhor, consciência política de interesse público de um lado e pressão popular de outro.

Dados do IPEA mostram que 37 milhões de pessoas não usam transporte público por causa de seu custo. Qual a saída para este problema?
A saída, é claro, é o subsídio à tarifa e no limite altamente desejável, o subsídio total que eu chamo de tarifa zero. Dou um exemplo. Em Hasselt , cidade belga com cerca de 300 mil habitantes em seu conjunto urbano, tem esse sistema desde 1997. E repare que os belgas não são mais pobres do que os brasileiros. O número de passageiros transportados em 1996 era de cerca de 360 mil passageiros/ano. Em 1997, logo após a gratuidade, passou a cerca de 1.400.000 e em 2008 estava em mais de 4.100.000! Aumento de cerca de 1.315%! Os investimentos em sistema viário caíram no período. A gratuidade é bancada por fundos com recursos federais, estaduais e municipais. Política pública de transportes coletivos é isso. Transporte não é um fim para ganhar dinheiro, mas um meio de fazer a sociedade andar, literalmente.

Se a tarifa já é um problema, qual o impacto terá o aumento da tarifa de ônibus em 2010, anunciado pelo prefeito de São Paulo, que chegará ao valor de até R$ 2,70?
O impacto é óbvio. Mas o que me espanta é: como foi possível represar a tarifa por três anos? Ou ela estava muito alta tanto que suportou 22% de inflação sem reajuste; ou o serviço piorou de modo a absorver esse diferencial; ou aumentou-se o subsídio e agora ele vai diminuir, ou…sabe-se lá, não é? Ocorrerão as explicações racionais de sempre, os usuários não estão organizados para pressionar em sentido contrário ao aumento e assim por diante. Tenho setenta e três anos de idade e já vi este filme várias vezes. Diferentemente dos filmes de verdade, nesse, o bandido sempre ganha.

Muitas pessoas têm optado pelo transporte individual ao invés dos transportes coletivos. Por que isto ocorre e quais os impactos dessa prática na questão da mobilidade urbana?
Por que a indústria automobilística movimenta bilhões desde a sua produção, passando pelas oficinas até a sua propaganda. Inclusive no trabalho que propicia aos “especialistas” em tráfego e trânsito .Tem muita gente vivendo dessa indústria. Além disso, desde sua implantação, as cidades foram se conformando ao uso do automóvel como único modo de se usufruí-las. Total falta de racionalidade na criação e uso do espaço, enfim, aquilo que muitos chamam de caos urbano, mas que é muito organizado se olhado pela perspectiva da indústria automobilística.

Quanto aos impactos sobre a mobilidade eu diria jocosamente que é um impacto altamente imobilizante. Quem sabe quando enfim tudo ficar mais insuportável do que já está, por exemplo em São Paulo, se fará corredores de ônibus para todo lado e com tarifa zero? Diferentemente da saúde em que a prevenção é o melhor caminho, nessa questão parece que será o quadro agudo que ajudará. Espero. Ou então suportaremos o insuportável. Fazer o que?

No caso do transporte através dos ônibus, o trânsito é apontado como um obstáculo à fluidez do serviço, principalmente em São Paulo. Como isso pode ser resolvido?
Isso é raciocínio que chega a parecer maldoso. Em São Paulo são 4.800.000 carros, frota total. Digamos cerca de mais de 3.500.000 de automóveis (frota operante,não consta esse número no site da CET/SP) e 14.868 ônibus das concessionárias do município chegando talvez a uma frota operante , incluindo os fretados e etc. Digamos 20.000, que sejam 35.000 para facilitar a proporção. Ou seja, um ônibus para mais de 100 automóveis. E isso vale, aproximadamente, para a esmagadora maioria das cidades brasileiras com mais de 300.000 habitantes ou até menores. Considere-se que um ônibus transporta cerca de 40 passageiros e um automóvel pouco mais de um em media. Dá para perceber a quantidade de espaço urbano ocupado por um e outro passageiro. Quanto espaço se ofertar para a fluidez do trânsito, tanto os automóveis o ocuparão e, é claro, os ônibus também. Então, é [necessário] fazer corredor de ônibus massivamente e subsidiar a tarifa até o total da gratuidade. Agora,esse tipo de argumento do trânsito até parece fogo amigo numa guerra.

A superlotação dos ônibus, trens e metrôs é notável, principalmente nos horários de pico. Se é um problema visível, por que não é resolvido?
Se pudesse resumir, voltaria a dizer que é o poder da indústria automobilística que se expressa no volume de seus dependentes. De maneira jocosa, digo que temos muitos gigolôs do automóvel, do sistema viário e das tarifas dos transportes coletivos. E nosso povo como já disse, tem aceitado o inaceitável.

Em São Paulo, em outubro, o Metrô e a CPTM lançaram o “Embarque Melhor” como solução à superlotação dos trens e plataformas. Como você avalia esta medida?
É possível que com sinalizações, comunicação visual e etc., possa-se melhorar o embarque e o desembarque. Apresentar isso como solução do problema de superlotação de plataformas e trens parece piada de mau gosto. Lembrei-me de uma crônica que li no jornal, infelizmente não lembro o nome do autor, na qual ele sonhava que determinados inventores, deveriam passar o resto de suas vidas às voltas com as suas invenções. Fazendo só isso. Ele exemplificava: o sujeito que inventou os saquinhos plásticos do supermercado que a gente fica louco para desgrudar uma face da outra, o que inventou o atendimento automático no telefone com aquela musiqueta e que depois a linha cai sem o atendimento e assim por diante. Penso o mesmo sobre quem inventa e quem autoriza a veiculação dessa “solução” para a superlotação do metrô, deveria passar o resto da vida entrando e saindo do metrô nas horas de pico…

O governo do estado também anuncia o programa de expansão do Metrô e da CPTM como algo que mudará completamente a questão da mobilidade em São Paulo. Qual sua opinião a respeito disso?
É claro que vai melhorar. Mas fica-me parecendo a história da cenoura na frente do cavalo. É uma ótima expectativa, mas inalcançável. Mas mantém o cavalo correndo, que é o que interessa. Voltando aos meus setenta e três anos, já vi esse filme, e no fim, não só o cavalo não come a cenoura como pára de andar ou morre de exaustão. Um texto que li pouco tempo atrás por um reconhecido “especialista” diz, e eu concordo plenamente, que é miragem e tolice imaginar o metrô subterrâneo como solução dos transportes das metrópoles de terceiro mundo de hoje. Quiçá segundo [mundo] depois de 2016, hein! Essa solução foi adotada por países de primeiro mundo na construção de metrôs no final do século XIX , e no início e ao longo do século XX, em cidades que eram muitíssimo menores do que São Paulo hoje. Os transtornos, as dificuldades da construção e os custos elevadíssimos em região metropolitana de 18 milhões de habitantes tornam impossível pensar em redes de metrô de 400 a 500 quilômetros como Paris, Londres e New York. Mesmo assim, estas cidades tem engarrafamentos de trânsito, sobretudo para quem não abre mão do uso do automóvel. O “especialista” advoga a solução por corredores de ônibus, Vlts (tradicionalmente chamados de bondes modernizados), o que também concordo, sem prejuízo de se fazer mais metrô. Em resumo: uma coisa é dizer que a expansão vai melhorar, outra é dizer que vai resolver completamente. Nesse caso trata-se não de uma, mas de um maço de cenouras.
Com as eleições de 2010 alguns pré-candidatos brincam de casinha com o Minha Casa Minha Vida, outros brincam de trenzinho com o Metrô e o Embarque Melhor. Quem sabe seja uma questão de gênero.

Quais medidas podem ser apontadas como solução às deficiências no sistema de transporte público coletivo?
Transportes coletivos urbanos e trânsito são problemas de políticas públicas e não um problema técnico como muitos nos querem fazer crer. Quando fui secretário de transportes do governo de Luiza Erundina tive que entender alguma coisa de política de transportes coletivos. Se a política estiver no caminho certo, de priorizar efetivamente os transportes coletivos, as soluções técnicas serão efetivadas nessa direção. Caso contrário, não. Só servem para enganar. Por isso minhas sugestões são de caráter político. Critico o grande número de “istas” que na mídia diária tanto analisam essas questões como se fossem técnicas, com isso reproduzindo e ajudando a manter e perpetuar “políticas não públicas”. Mas certamente penso que as soluções passam por:

a) alteração da forma de concessão de serviços ao setor privado por 25 até 30 anos, com lógica de equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, preponderantemente via tarifa. Isso é tratar transportes coletivos como “business”. Quase nenhum país de primeiro mundo adota esse modelo, pois sabe que transporte coletivo não dá para ser tratado como exploração econômica pura e simplesmente. Proponho que o serviço deva ser contratado como todos os demais serviços públicos como viadutos, abertura de vias, edificações, serviços de saúde etc. Já imaginou a concessão da construção de viadutos ou fornecimento de seringas hipodérmicas por trinta anos? A contratação dos serviços, separando o custo do transporte do preço cobrado do usuário foi feito no governo de Erundina com resultados que considero extraordinários. Foram acrescentados 2.500 ônibus à frota municipal em menos de um ano e a tarifa média era de US$0,43. O governo municipal em 2002/2003 voltou ao sistema de concessões. Sabe-se lá por que.

b) Além da mudança do formato das contratações do serviço, deverão ser feitos muitos corredores de ônibus com gratuidade, ou seja, pagamento indireto do serviço pelos que têm seus trabalhadores e consumidores na porta das suas unidades . Segundo a lógica: paga mais quem tem mais, paga menos que tem menos e não paga nada quem tem muito pouco. O chamado desestímulo ao transportes individual vem por aí, ou seja, oferta abundante e barata de transporte coletivo de qualidade e não através da neurotização crescente dos motoristas e cidadãos com pedágio urbano, proibições de todo tipo, etc. Isso só depois que o serviço coletivo for muito bom. Quem assim mesmo quiser sofrer, tem todo o direito de fazê-lo.

Para finalizar, eu diria que a tarifa zero de Hasselt é muito séria para ficar desconhecida.

"Ficou a ideia" – Entrevista com Luiza Erundina

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Na tarde do dia 9 de setembro, Luiza Erundina recebeu a equipe, digamos, do TarifaZero.org na casa que lhe serve de base, de escritório, em São Paulo, para conversar sobre a política de transporte coletivo que marcou – ou deveria ter marcado – seu governo.

Muito do reconhecimento de Erundina na política se deve pela experiência de governar a cidade de São Paulo entre 1989 e 1993. Era a primeira vez que o PT chegava ao poder executivo de uma megalópole e Erundina trazia consigo novos ares para a política nacional. Mulher, nordestina, com um histórico de lutas em movimentos sociais, ela precisou vencer resistências até mesmo dentro do partido. Eleita, montou um governo repleto de nomes de peso, como Paulo Freire, Marilena Chauí e Paul Singer, adotando como lema a idéia de “inversão de prioridades”. Ou seja, a compreensão de que era necessário redirecionar as políticas para aqueles que mais necessitavam delas. Aquele governo entrou para a história também como o responsável pela promoção de políticas como os mutirões autogeridos (para equacionar o déficit habitacional), e pelos projetos de alfabetização de adultos (os Movimentos de Alfabetização).

Mas, por algum motivo ainda a ser descoberto, uma das idéias mais inovadoras de seu governo não entrou para a galeria dos feitos mais conhecidos: o Projeto Tarifa Zero, fomentado pela equipe da Secretaria de Transportes, cujo titular era o engenheiro Lúcio Gregori. É sobre este projeto que Erundina fala nesta entrevista, com muita clareza e um pitado de decepção por conta da derrota política que o projeto foi submetido, embora tenha alcançado altos índices de aprovação popular.

Essa aprovação é o que a faz acreditar ainda ser possível a aplicação da idéia da tarifa zero. Para Erundina, “se não foi vinte anos atrás, será um dia. A história dá saltos. O importante é você apostar em idéias que são inovadoras e acumular forças. Passa pela vontade popular. Dom Tomás Balduíno já dizia que o novo o povo é que cria”.

Tarifa Zero.org: Para te explicar: nós temos este site, chamado tarifazero.org, que é consequência da luta que a maioria de nós trava há alguns anos através do Movimento Passe Livre. Não é um site do movimento, mas nasceu para divulgar a idéia que foi, de certa forma, inspirada na experiência que vocês desenvolveram no governo em São Paulo. Como era a conjuntura do governo do início até chegar o momento da idéia da tarifa zero? Como nasceu dentro do governo essa idéia da tarifa zero?

Luiza Erundina: Olha, primeiro: a questão do transporte e do trânsito na cidade de São Paulo foi sempre um problema muito difícil, complexo, desafiador. Não foi diferente na nossa época, até porque nós tínhamos a CMTC (Companhia Metropolitana de Transportes Coletivos), que respondia, ou deveria responder, por 30% do transporte de ônibus da cidade e nós encontramos a completamente sucateada. A frota envelhecida, deteriorada, estoques zerados. Basta dizer que havia um único pneu no estoque, no depósito, e esse pneu estava careca. Praticamente 30% do conjunto do sistema não funcionava.

Tarifa Zero.org: A senhora lembra o tamanho da frota da CMTC?

Luiza Erundina: Eram três mil ônibus. Deveriam operar três mil ônibus, que seria 30% da frota da cidade. Mas estava muito reduzida, com muitos problemas. Além disso, havia uma má vontade dos fornecedores de peças, de acessórios e aqueles elementos que eram necessários para manter a frota. E a frota privada não é que estivesse bem não. Também estava envelhecida, deteriorada. Serviço de baixíssima qualidade e muito caro. Era um serviço muito caro. Foram muitos problemas e não só em relação às políticas de transporte e trânsito. Mas, particularmente, com transporte nós enfrentamos muitos problemas. Começamos a tentar alternativas. Por exemplo, a questão, da municipalização, no sentido de mudar os termos de contrato da prestação do serviço de transporte. E nós tínhamos minoria na Câmara. Nós governamos quatro anos com minoria na Câmara. E qualquer modificação dessas normas de contratos com as empresas, com os empresários, exigia a aprovação de um projeto de lei. Nós não tínhamos maioria para aprovar esses projetos. Muita má vontade.
E só no terceiro ano é que nós conseguimos aprovar a lei de municipalização, que permitia que se remunerasse o serviço não por viagens realizadas, mas também por quilômetros rodados. Foi uma medida que melhorou a qualidade do transporte, uma outra lógica que passou a reger essa relação contratual e significou, inclusive, a redução do número de passageiros por metro quadrado dentro dos ônibus. Significou melhor qualidade e redução de custos pro usuário e evidentemente a Prefeitura teve que arcar com um subsídio maior das tarifas. Era o único meio que se tinha de melhorar a qualidade do serviço. Um serviço essencial. Não é que o usuário precisa desse serviço apenas em alguns momentos do dia. Pelo contrário, todos dependem.
Na época eram mais de seis milhões de usuários que dependiam do transporte de ônibus. O metrô era muito mais limitado do que é hoje em termos de linhas. Portanto, era um transporte que representava muito mais do que hoje, do ponto de vista do transporte de massa. E entre outras medidas que o setor de transporte bolou – particularmente Lúcio Gregori [secretário de Transporte] e sua equipe, o Mauro Zilbovicius, o José Jairo Varoli, enfim, os companheiros que integravam a equipe de transporte e trânsito –, havia uma idéia de se ter um Fundo de Transporte para o qual não contribuiriam só a Prefeitura, mas também os empresários. Os que mantinham os negócios na cidade, sistema de bancos, de supermercados, de shoppings, enfim, os que deveriam também participar dos custos desse serviço, já que é um insumo dos negócios. Eles dependiam do trabalhador para ir e voltar para o trabalho. Seja Shopping Center, supermercado, banco, as lojas de um modo geral.
Era justo que os custos desse serviço, no mínimo, fossem repartidos em três partes. Um terço da Prefeitura, um terço dos usuários e um terço dos empresários, aqueles que de certa forma se beneficiavam desse serviço, como meio de transporte dos seus trabalhadores, dos seus empregados. E esse Fundo exigia uma outra lei que a Câmara se recusou a aprovar. Houve uma campanha contra essa proposta. O próprio Partido dos Trabalhadores, que era o partido ao qual eu estava filiada como prefeita, também não entendeu a proposta, resistiu a ela. Mas foi essa a idéia. É um serviço ao qual todos se beneficiam e não é justo que só o usuário banque com os custos desse transporte, no caso a tarifa. E também deixar tudo isso como subsídio da Prefeitura era onerar também o usuário, o trabalhador de um modo geral, porque no fundo o recurso público vem do quê? Dos tributos. Se se destina mais subsídio para o transporte, você reduz algum investimento em saúde, em creche, em habitação. Portanto, o serviço público, a fonte de receita dele é o contribuinte, todos que vivem na cidade, trabalham na cidade, produzem na cidade. Então nós entendíamos que seria absolutamente justo estabelecer um Fundo para o qual todas as partes interessadas num bom serviço de transporte pudessem contribuir. E isso a meu ver, a nosso ver, era uma medida justa, uma medida de distribuição dos custos e uma condição para se melhorar o transporte, que é essencial para vida da cidade. Mais essencial, mais importante naquele momento do que hoje, provavelmente.

Tarifa Zero.org: Como foi o momento de tensão entre governo e o PT? Essa falta de compreensão à idéia foi do partido como um todo, da bancada na câmara, como era?

Luiza Erundina: Havia um movimento na cidade, não só da parte do partido, de outros partidos, da cidade como um todo, numa visão equivocada, dizendo que seria um serviço gratuito e, como tal, todo mundo ia abusar do uso. Consequentemente viraria um caos, ia piorar a qualidade do serviço. Toda idéia inovadora, criativa, revolucionária em certo sentido, gera resistência. Às vezes uma resistência equivocada, às vezes de má fé. E eu tive uma dificuldade com a Câmara com relação ao transporte porque eles sabiam que, à medida que a gente conseguisse melhorar esse serviço, aliado ao planejamento do tráfego e do trânsito, isso geraria dividendos políticos e eleitorais, já que em quatro anos do meu governo houve três eleições: uma para presidente da república, outra para governador e outra para o meu sucessor. Tudo isso numa relação entre os dois poderes bastante tencionada, porque nós não tínhamos aquela prática fisiológica, promíscua que normalmente existe na relação do Executivo com o Legislativo, sobretudo a história da Câmara Municipal de São Paulo e da Prefeitura de São Paulo. Nunca foi uma história muito bonita do ponto de vista da independência dos dois poderes, de um rigor ético na relação entre os dois poderes. E tudo aquilo que se tentava criar de novo, uma inovação, algo criativo, algo diferente daquilo que tradicionalmente se fazia em relação a esse setor [de transporte] era visto com má vontade, má fé, má intenção e isso evidentemente inviabilizou a proposta. Encaminhamos a proposta pra Câmara e a Câmara rejeitou o projeto. E hoje a gente sabe que é uma idéia que está sendo incorporada, cogitada, reapropriada por muitos governos. Até porque não é uma questão tão inusitada, já que em outros países do mundo a divisão dos custos do transporte é uma coisa que já se faz há muito tempo. Só que nós tivemos resistência, dificuldade e, lamentavelmente, não conseguimos implantar essa idéia inovadora, bastante criativa que se tentou implantar na cidade naquele momento.

Tarifa Zero.org: Numa conversa que fiz com o Lúcio Gregori, ele contou sobre o entusiasmo que tu tinhas na época ao imaginar que os movimentos sociais poderiam se apropriar desta idéia e reivindicá-la. O PT tinha uma influência muito forte nos movimentos naquele período, mas como foi? Tinha movimentos sociais reivindicando a tarifa zero?

Luiza Erundina: O problema é que, quando se conseguiu construir essa proposta, faltavam poucos meses para se fechar o orçamento da cidade. O Executivo é quem manda o projeto de lei orçamentária e, se não me engano, restavam três ou quatro meses anteriores ao prazo legal para apresentar o projeto na Câmara. Portanto, não houve tempo suficiente para se esclarecer esses setores que, não por má vontade, mas por desconhecimento, por não ter domínio da proposta no seu todo, evidentemente ficavam desconfiados, inseguros, em dúvida.
Tarifa Zero.org: Mas a população aprovou.

Luiza Erundina: A população aprovou. Só que nós não conseguimos acumular força política, pressão externa ao Legislativo… e a mídia também. O problema é que tivemos o cerco da Câmara tivemos também com a mídia. Talvez a gente não tenha sido muito competente na relação com a mídia. Até porque nós tínhamos muito rigor, muita preocupação em não extrapolar os investimentos em comunicação, em publicidade, em propaganda. Porque as carências na cidade eram tão grandes, como é que iríamos…

Tarifa Zero.org: Desperdiçar.

Luiza Erundina: Num certo sentido. Vendo de fora, a uma certa distância e fazendo autocrítica, talvez a gente pudesse ter construído aquela relação. Não com os donos dos veículos de comunicação, mas com os jornalistas, os trabalhadores da mídia. Se a gente tivesse tido talvez mais flexibilidade, não no sentido de ceder às práticas antiéticas, desonestas, corruptas, absolutamente, mas talvez se a gente tivesse uma política de comunicação mais flexível, mais aberta, mais política no sentido do positivo do termo, a gente tivesse… não evitado o cerco da mídia, a má vontade da mídia, perseguição, eles faziam campanha contra o nosso governo. Alguns trabalhadores da imprensa, jornalistas que eram próximos à gente e simpáticos ao nosso governo, nos diziam que eles tinham reuniões diárias com os coordenadores das matérias para saber o que é que dava para bater na prefeita, para bater no governo, para criticar o governo. Havia também um boicote permanente dos empresários, dos fornecedores dos bens que a gente precisava para prestar o serviço à cidade e foram quatro anos de muito bloqueio, muita má vontade, muito boicote e de muita perseguição política da mídia, dos partidos políticos, inclusive o meu na época e dos outros dois níveis de governo. Tivemos dois governadores. Primeiro Quércia, depois Fleury, na presidência da república o Sarney, depois o Collor. Enfim, não tinham nenhuma simpatia nem boa vontade com São Paulo – não estou dizendo com nosso governo. Isso tudo explica aquela conjuntura e as dificuldades que enfrentamos, não só em relação a essa questão. Mas ficou a idéia. E quando a idéia é boa, quando a idéia é correta, justa, necessária, oportuna, ela vinga. Mesmo se não vingar naquele espaço, naquele tempo, naquele governo, mais cedo ou mais tarde vai vingar. Em algum momento, em algum lugar, em algum espaço mais democrático, mais compreensivo. Numa conjuntura mais adequada do que foi aquela em que nós tentamos implantar essa idéia na cidade de São Paulo.

Tarifa Zero.org: A senhora disse que essa falta de compreensão por falta da mídia e dos partidos que eram contrários à idéia da tarifa zero pode ter um pouco de preconceito de classe? Em não querer admitir que todas as pessoas na cidade, as pessoas mais pobres, possam se locomover por todos os espaços nela?

Luiza Erundina: Com certeza. É o preconceito de que o pobre não é civilizado, não é educado, não vai entender os limites do uso de um serviço público. O pobre sabe fazer isso melhor do que o rico que nunca fez, não precisa usar isso. E a carga de preconceito que havia contra meu governo, contra mim pessoalmente. Mulher, nordestina, do PT, de esquerda, independente, que não cedia a nada do ponto de vista do que era ético, justo para a cidade, do que era correto. Eu era vista como alguém que atrapalhava os interesses dos privilegiados, dos que sempre tiveram controle do Estado, da Prefeitura. No Estado patrimonialista o Estado é de uma classe, ou de um segmento dessa classe. Conseqüentemente, tudo que vier no sentido de destinar os meios, recursos, a ação do Estado para incluir a maioria excluída, os trabalhadores que geram e produzem a riqueza da cidade… Então, isso tudo, as empreiteiras, todo mundo muito revoltado porque seus interesses estavam, no mínimo, sob controle de um governo que não fazia concessões do ponto de vista ético. Diferentemente de outros governos que nos antecederem e nos sucederam, no superfaturamento de obras e das compras. Isso acabou não existindo no nosso governo e atingiu o interesse de muita gente. E essa muita gente é uma gente poderosa. O poder da mídia, o poder sobre os representantes da cidade, a Câmara municipal. Tudo isso explica o fato de não termos conseguido implantar uma política tarifária moderna, avançada e justa, como seria esta proposta.

Tarifa Zero.org: A senhora deve acompanhar esses debates, embora ainda tímidos, sobre problemas de tráfego na cidade, a poluição. E a questão do transporte coletivo parece estar tendo mais atenção. O que a senhora acha dessa idéia da tarifa zero hoje? Ela poderia vingar até mesmo neste contexto?
Luiza Erundina: Depende da estratégia que se use para isso. Eu acho que hoje, talvez com o agravamento do trânsito, do transporte, os custos do sistema que a cada dia cresce… Porque quando o trânsito não flui é desperdício de combustível, deterioração da frota, mesmo individual. Enfim, as prioridades de investimento tendem a se alterar. Ao invés de construir tanto túnel, tanto viaduto, tantas vias expressas para favorecer o fluxo de automóveis, se inverta essa tendência e se invista em outro tipo de infra-estrutura urbana, com vista ao transporte de massa, o transporte coletivo, a integração entre os vários sistemas. Um planejamento da cidade que atente para outra lógica que não essa em que todo o fluxo do tráfego e trânsito flui para o centro da cidade.

Tarifa Zero.org: Descentralizar o serviço público?

Luiza Erundina: Exatamente. Não só descentralizar, mas distribuir o fluxo de tráfego a partir de outro planejamento. Que as regiões tenham seu planejamento próprio integrado às outras regiões, guardando entre si uma certa lógica, uma certa racionalidade, para reduzir fluxos, para reduzir custos, para reduzir tempo, para dar uma inteligência maior ao fluxo de tráfego e de trânsito. Nós tínhamos já o entendimento disso há vinte anos, só que nós não tínhamos condições políticas, força política, correlação de forças na sociedade. Porque o fato de nós termos sido eleitos pela maioria da população pobre e trabalhadora da cidade… O nível de organização política e a participação política desse segmento não eram, naquele tempo, suficientes, nem hoje também, para respaldar um governo que de fato invertesse toda lógica que predominava na vida da cidade em relação a tudo. Que era sempre o interesse de uma minoria contrariando o interesse da maioria, em todos os aspectos da política de governo local, estadual e nacional – que não tinham boa vontade com relação a uma ação partilhada, articulada com o governo municipal. Mas, apesar disso, nós tivemos a ousadia, a coragem, modéstia parte, a competência. Era uma equipe muito competente, muito criativa, idealista, corajosa, ousada e que deixou marcas…

Tarifa Zero.org: E foi a senhora quem puxou o Lúcio, não? Ele estava em outra Secretaria, a de Serviços e Obras, apesar de ter tido uma experiência com transporte público quando trabalhava para o Metrô.

Luiza Erundina: Pois é, mas ele é uma pessoa muito inteligente, muito capaz. Diria até que tem uma certa genialidade. Onde ele tocava a mão, dava certo. Onde o governo tinha dificuldades, chamava o Lúcio. Chamava o Sandroni, que era outro companheiro. Havia uma disponibilidade muito grande desses companheiros de ajudar o governo no que fosse. O Sandroni também não era do transporte e veio nos ajudar, com o Lúcio, na CMTC, enfim, em outras áreas. Era uma situação, do ponto de vista do governo, privilegiada, pela qualidade dos assessores, do secretariado, da boa vontade. A disponibilidade desses companheiros, dessas companheiras, para enfrentar aquela guerra, que foi a cidade aceitar a decisão da maioria dos eleitores de ter nos colocado a frente do governo da cidade. E eles achavam que a gente não ia dar conta, não acreditavam na nossa competência, apostavam no fracasso, apostavam que já no primeiro ano…

Tarifa Zero.org: O próprio partido?

Luiza Erundina: Não tanto assim, mas não acreditava. Até porque eu não era candidata do stablishment da direção partidária. O partido não acreditava que eu fosse capaz de conduzir uma equipe. Eu não governei sozinha, governei com uma equipe daquele patamar.

Tarifa Zero.org: Com quem a senhora disputou?

Luiza Erundina: Era Plínio de Arruda Sampaio. Eu entendo que o partido tinha uma avaliação… O partido, digo, a direção, porque foram às bases do partido que me impuseram como candidata numa prévia. Foi à primeira prévia que se fez num partido político para escolher uma candidatura. E o partido tinha uma avaliação… a direção partidária tinha uma avaliação que até tinha lógica. Plínio era homem, paulista, de família tradicional, com uma trajetória política bastante avançada, progressista, democrática, de esquerda. Certamente, dentro da lógica eleitoral e política daquele tempo, o nome de uma pessoa com o perfil do Plínio tinha muito mais chance de ganhar e governar a cidade do que eu. Mas as bases do partido pensaram diferente, apostaram numa outra candidatura que não aquela com o perfil que é imposto pela cultura política tradicional, conservadora, elitista e terminou dando uma zebra, nós ganhamos o governo da cidade. O partido ficou muito desgostoso com isso porque também tinha a mesma avaliação que os adversários em relação à minha pessoa. Achavam que eu não era capaz, que eu era agitadora, só. Claro que a minha militância política foi marcada por muita contundência, por muito compromisso com a luta do povo, com a luta social, com a luta política. Eu vim do nordeste expulsa pela ditadura militar, perseguida pela ditadura e aqui em são Paulo não foi diferente. Eu assumi de novo o compromisso de ajudar o povo a se organizar, a tomar consciência dos seus direitos, a lutar por eles. Então eu não era uma candidata de bom gosto para a elite paulistana, para a classe média paulistana, e o partido, que tinha toda razão de querer ganhar a prefeitura de São Paulo… e o cálculo naquele momento é que não era tão fácil assim, sobretudo contrariando a lógica de uma cultura político-eleitoral conservadora, de direita. Uma candidatura com o perfil como o meu era, de fato, uma aposta bastante arriscada. Mas a história se conduz de forma diferente daquilo que essas pessoas… esses segmentos que dominam a cidade e a sociedade e impõem a sua verdade.

Tarifa Zero.org: A senhora acha que seria possível construir hoje essa idéia da tarifa zero, lutar pelas questões do transporte, sem uma movimentação popular?
Luiza Erundina: Não, temos que mobilizar. Mais do que isso, não é só mobilizar os setores populares, é também fazer um trabalho de opinião pública, no sentido de traduzir os aspectos técnicos dessa proposta, da inteligência que ela contém nela mesma. Talvez devêssemos todos nós, não só vocês que estão empenhados nessa bandeira, ampliar esse arco de alianças e de forças políticas e de interessados em conhecer melhor essa proposta. Para ver se ela se torna de fato uma política pública não só apenas de uma cidade, nem só de um estado, mas do país. Talvez fosse a hora de se trazer o debate, por exemplo, para uma comissão da Câmara dos Deputados, trazer o debate para o Congresso Nacional. Trazer os especialistas e os não-especialistas, os favoráveis e os não-favoráveis à proposta e colocá-la na agenda do país para debate. Já que o problema do transporte e do trânsito, sobretudo no transporte coletivo de massa, ainda é um desafio que não se resolveu, muito menos nas grandes cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte, Recife etc. Talvez se devessem juntar todas as forças que estão apostando a favor ou contra a essa idéia para colocá-la em debate na opinião pública, trazendo junto os trabalhadores, assalariados, usuários, setor empresarial, setor de transporte, governos das três esferas. Vamos discutir! E vamos, quem sabe, conseguir, agora com uma condição, outra conjuntura, fazer valer uma idéia tão genial, na minha avaliação, tão criativa e tão justa no ponto de vista da maioria, que são os que dependem do transporte coletivo, transporte de massa, sobretudo em cidades grandes como São Paulo. E quero me colocar à disposição dessa luta. Quem sabe a gente possa planejar um debate lá na Câmara dos Deputados. Eu sou uma entusiasta dessa idéia, acho que é uma pena… E outras idéias que o governo teve na época. Era uma equipe muito boa. Era Marilena Chauí, era Paul Singer, Paulo Freire, Lúcio Gregori, Paulo Sandroni, uma equipe muito boa, muito competente, muito corajosa. Mas a gente chega lá um dia. Se não foi vinte anos atrás, será um dia. A história dá saltos. O importante é você apostar em idéias que são inovadoras, apostar nelas, e acumular forças. Passa pela vontade popular. Dom Tomás Balduíno já dizia que o novo o povo é que cria. E é mesmo. Não somos nós que temos algum nível de responsabilidade, de autoridade. É o povo junto que dá condições para, né?

"Saída de Emergência" no tarifazero.org

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Foi publicado hoje no site tarifazero.org meu documentário sobre o transporte coletivo de Joinville, o Saída de Emergência. Fiz o filme na faculdade, ele possui um acabamento final amador. Mas o importante nesse caso é o conteúdo. Para quem não viu ainda, está disponível aqui.

O Tarifa Zero é uma proposta inovadora para o problema dos sistemas municipais de transporte coletivo, hoje largados nas mãos de oligopólios municipais. Em Joinville, a relação dos empresários do setor com o poder sempre foi intensa e decisiva.

Confira o filme e o site também!