Por Bruna Ballarotti*
Ontem finalmente consegui assistir Tropa de Elite 2. Com o desafio de manter a qualidade e o sucesso do longa que o antecedeu em 2007, Tropa de Elite 2 não deixa duvida: missão dada é missão cumprida. E eu diria mais, o segundo supera, em muito, o primeiro. Não apenas o supera, como o redime. Vou explicar.
Atenção/ “Spoiler Alert”: se você ainda não assistiu o filme, esse post pode tirar algumas surpresas.
Se você quer conhecer mais sobre o homem que inspirou o personagem Fraga, seu nome é Marcelo Freixo e ele presidiu a CPI das Milícias do RJ em 2008. Relatório aqui
O primeiro filme tem como tema a violência urbana no Rio de Janeiro, o tráfico de substâncias ilícitas e as ações do BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais). A narração é feita pelo Capitão Nascimento, em busca de um substituto para comandar seu esquadrão, já que seu filho está prestes a nascer. No decorrer da história, temos também a trajetória de Matias, policial negro e inteligente, “aspira” cogitado a substituto de Nascimento que se vê dividido entre o mundo acadêmico (cursa Direito) e o mundo profissional. O filme traz muitas cenas de violência, de tortura policial, retrata diversos abusos cometidos pela Polícia Militar do Rio de Janeiro, uma das mais violentas do mundo. Porém a impressão que tive depois de assistir ao filme foi que, ao invés de digerir aquele grave retrato da criminalização da pobreza, o público em geral passou a idolatrar o Capitão Nascimento, que, convenhamos, tem de fato interpretação brilhante de Wagner Moura, porém representa um caso extremo de um policial que acredita profundamente na violência como solução. Revistas da grande mídia, como a Veja, aproveitaram o sucesso do filme para reforçar sua mensagem fascista de que é isso mesmo: tem mais é que descer porrada nos morros, porque favelado é bandido. Saldo complicado do filme.
“Qualquer semelhança com a realidade é apenas uma coincidência. Essa é uma obra de ficção“
No “Tropa de Elite 2: O inimigo agora é outro” o foco migra do BOPE para a política de segurança pública do Rio de Janeiro. E aí a coisa esquenta pra valer. Apesar do aviso de que o filme é uma obra de ficção, fica muito claro que foi inspirado em diversos fatos reais. Isso pode ser conferido por exemplo noRelatório da CPI das Milícias da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ), presidida pelo deputado estadual Marcelo Freixo do PSOL, que indiciou mais de 200 pessoas em 2008.
Essa, aliás, é uma das poucas “coincidências” que o diretor José Padilha afirma ter direta relação com a realidade. O personagem Diogo Fraga foi inspirado no deputado Marcelo Freixo, militante dos direitos humanos. Na vida real, o que possibilitou a instauração da CPI foi também o seqüestro e a tortura de uma jornalista e um fotógrafo do “O DIA”. A CPI conseguiu fazer uma ótima investigação sobre as milícias, sobre a relação com os votos, sobre o quanto lucrava em cada região. Recomendo a leitura do relatório da CPI. As “coincidências” são assustadoras. No youtube temos cenas da vida real (mais coincidências assustadoras):
Milicianos pretendem aumentar poderio nestas eleições
Promotores depõem na CPI das milícias
Sérgio Cabral confraterniza com Milícia
Milicianos se unem em uma possível “super-milícia”
Descoberto plano para assassinar o deputado Marcelo Freixo
Trazendo à tona uma questão tão presente nas comunidades do Rio de Janeiro, o domínio das milícias, o Tropa de Elite 2 ainda faz o personagem Capitão Nascimento passar pelo processo de perceber que o que ele acreditava ser o caminho, violência se resolve com violência, na verdade se mostra insuficiente, e mais, se mostra um alimentador desse sistema que ele esboça querer destruir. Fraga, que começa como seu arqui-inimigo, acaba se tornando um parceiro quando ele percebe que os interesses dos que gerem a segurança pública do RJ na verdade tem pouco ou nenhum interesse de mudar o que está colocado e se utilizam dessa estrutura para se perpetuar no poder. Gostei também do triste fim de Matias. O menino, de origem humilde, negro, que consegue a duras penas entrar na faculdade de Direito, defensor da honra e da justiça, é doutrinado pelo BOPE, e, acreditando poder melhorar “o sistema” honrando o papel de sua corporação, é assassinado por milicianos apoiados pela política de Segurança Pública. Mostrando uma certa ingenuidade e alienação que não pode ser tolerada, custando sua própria vida. José Padilha havia dirigido o premiado documentário “Ônibus 174”, de 2002, onde pesquisa a trajetória de Sandro, menino de rua que cresce e ganha exposição midiática pelo seqüestro do 174 que foi acompanhado ao vivo pela TV. Sandro é morto pelo BOPE. “Quando fiz o filme do ônibus 174 com o ponto de vista da violência do Sandro Nascimento e sua história de vida, me deu uma idéia: por que não fazer um filme do ponto de vista da violência policial, daqueles policiais que mataram o Sandro”. Talvez o personagem de Matias tenha cumprido um papel de mostrar a parte dos policiais que também são vítimas desse sistema.
Enfim, acho que o Tropa de Elite 2 fecha todas as deixas que ficaram soltas no primeiro. É um filme com objetivo e posicionamento claros, e com qualidade, seja de direção, atuação, roteiro e fotografia muito boas. Supera o primeiro e o redime politicamente.
Sobre Marcelo Freixo
Jurado de morte pelos milicianos, Freixo teve limitações para fazer campanha para sua reeleição como deputado estadual pelo PSOL no Rio.
Clique aqui para ver reportagem da Isto É, “Campanha sob escolta”
Com apoio do elenco de Tropa de Elite e amplo apoio popular, Freixo se reelegeu deputado estadual com mais de 177 mil votos, sendo o segundo mais votado do RJ. Essa foi uma das excelentes notícias que recebemos das urnas. Parabéns Freixo, e muita força que a luta continua!
Aqui segue vídeo de artistas em apoio a Freixo
Aqui segue vídeo de comemoração da reeleição de Freixo e Chico Alencar
Para quem quiser acompanhar as atividades do Marcelo Freixo a página dele é http://www.marcelofreixo.com.br/site/home.php , o twitter dele é @MarceloFreixo
Aqui segue Marcelo Freixo comentando Tropa de Elite 2 ao sair do Cinema
Aqui artigo de Jorge Antonio Barros, que fez o vídeo acima, “Tropa de Elite 2: Nem tudo é verdade, mas quase tudo”
Aqui, post de Dois Pontos Travessão sobre o filme
* Bruna Ballarotti militante do PSOL, formanda em Medicina pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); ex-coordenadora geral da Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (DENEM) e ex-integrante do Conselho Nacional de Saúde.