Arquivo da categoria: ditadura militar

Dois heróis

Por Juremir Machado da Silva – Correio do Povo
15.06.2011 – Vou precisar minha afirmação: João Goulart e Leonel Brizola são os dois maiores heróis brasileiros dos últimos 50 anos. Pessoas altamente conservadoras vêm me bombardeando com insultos por causa deste meu posicionamento. Para sustentar minha leitura da história, citarei novamente Pascal, sempre lembrado por Edgar Morin: o contrário de uma verdade profunda pode não ser um erro, mas outra verdade profunda. Ninguém precisa conhecer Pascal nem Morin, embora seja uma perda considerável, para entender essa fórmula bem pensada que concilia os inconciliáveis e faz ver que, algumas vezes, o antagônico poder ser complementar. Jango e Brizola estiveram juntos e separados em dois grandes momentos.
O que é ser herói? Não é ser piloto de Fórmula 1 nem integrante de um reality-show. Herói é quem arrisca a vida por alguém ou por uma nação. Em 1961, quando Jânio Quadros renunciou e os ministros militares tentaram impedir a posse do vice-presidente, o nosso Jango, o governador Leonel Brizola, de metralhadora a tiracolo e microfone ao alcance da mão, comandou a resistência e salvou a democracia. Os golpistas chegaram a dar ordem para que o Palácio Piratini fosse bombardeado pela Aeronáutica. Um homem que arrisca tudo, como fez Brizola, para defender o certo, o justo e o legítimo só pode ser chamado de herói. É isso que sustento em meu livro “Vozes da Legalidade”. O Brasil e os livros de história precisam recolocar Brizola no seu devido lugar: o panteão dos heróis, onde devem estar os que lutaram pela verdade.
O que é ser herói? Ser herói também é aceitar cortar na própria carne para evitar derramamento de sangue de inocentes ou de um povo. Em 1961, Jango aceitou o parlamentarismo, que lhe tirou poderes legítimos, para evitar uma guerra civil. Em 1964, retirou-se para o Uruguai, sendo acusado até de covardia e traição, para novamente impedir um banho de sangue. Brizola era ímpeto e destemor. Jango, ponderação. Em 1981, em entrevista ao Coojornal, Leonel Brizola reconheceu o acerto de Jango: “Eu lhe confesso que, com o conhecimento que tenho hoje sobre a preparação do golpe, àquela altura o presidente João Goulart agiu corretamente”. Um herói, com acertos e erros, faz escolhas decisivas no calor intenso dos acontecimentos sem volta. Brizola e Jango sacrificaram-se, cada um do seu jeito, pelo Brasil. Mostraram coragem, ousadia, desprendimento e determinação. Grandes heróis.
A palavra herói anda desgastada. Tem sido aplicada a jogadores de futebol e outras celebridades passageiras. Herói para mim é aquele que sente o cavalo da história passando encilhado e monta sem saber se voltará para contar a sua aventura. Jango não voltou. Herói é aquele que coloca a vida dos outros acima da sua, como fez Jango. Herói é aquele que coloca a liberdade e a legalidade acima de tudo como fez Brizola. Digo isso sem qualquer vinculação ideológica ou partidária. Apenas a admiração e a leitura constante da história é que me movem. Em termos de heroísmo, não vejo quem quer que seja à frente de Leonel Brizola e de João Goulart nos últimos 50 anos.
Juremir Machado da Silva | juremir@correiodopovo.com.br

ONU faz apelo para que Brasil inicie investigação imediata sobre a tortura nos anos da ditadura

Jamil Chade / GENEBRA – O Estado de S.Paulo
A ONU apela para que o Brasil inicie de forma imediata uma investigação em torno da tortura e violações de direitos humanos ocorridas durante os anos da ditadura e puna os responsáveis. Para as Nações Unidas, a devolução das caixas com informações sobre a existência de pelo menos 242 centros de tortura no Brasil pelo Conselho Mundial de Igreja deve ser aproveitada para rever a posição do País em relação a como lidar com o seu passado. A ONU não esconde sua insatisfação com a decisão da presidente Dilma Rousseff de manter fechados os arquivos nacionais.
“A esperança que temos agora é de que essa ação de devolução dos arquivos leve o governo brasileiro a agir “, disse o relator da ONU contra a tortura, Juan Mendez. ” O Ministério Público brasileiro e juízes precisam honrar esses documentos, abrindo processos contra torturadores e revelando o que de fato ocorreu naqueles anos para que toda a sociedade brasileira saiba do seu passado “, disse.
O Estado obteve confirmações de que os arquivos sobre os crimes incluem um relato detalhado sobre cada pessoa no Brasil sequestrada pelos militares, cada um dos torturados, interrogados e mortos pelas forças de segurança. Segundo o Conselho Mundial de Igrejas, um dos pontos que pode ajudar os processos no Brasil é o fato de que de os militares brasileiros insistiam em garantir um arquivo ” invejável ” de suas práticas, com detalhes sobre quem foi torturado, por quem e sob qual método.
Segundo fontes na entidade, os documentos listam 242 centros de torturas no Brasil nos anos da ditadura. Nas três caixas que estavam guardadas em Genebra, 200 tipos de tortura aplicadas sobre os brasileiros foram compiladas, afetando 444 pessoas. Seus nomes reais e pseudônimos são descritos com um detalhe que, segundo o Conselho, pode ajudar nas investigações na Justiça brasileira.
Para Mendez, diante das evidências que serão cedidas à Justiça brasileira, uma investigação e punição dos responsáveis não é nada mais do que uma ” obrigação ” para o Brasil neste momento e seria “surpreendente ” que o País se transforme no único de todo o Cone Sul a manter seu passado ” abafado “. “O Brasil tem obrigações claras sob o direito internacional “, disse Mendez.
Na ONU, leis de anistia são consideradas como freios à Justiça internacional. Na entidade, a posição é de que tais leis precisam ser abolidas. “Uma reconciliação nacional apenas ocorre quando o direito à verdade é cumprido e todos sabem o que ocorreu “, afirmou o relator da ONU.

Quem torturou Dilma Rousseff?

Na imagem, intervenção original, questionando morte de Herzog…
Uma frase perturbadora aparece em cartazes e notas de dinheiro que circulam na cidade de São Paulo. “Quem torturou Dilma Rousseff?” 
A iniciativa, fomentada por um grupo de cinco estudantes de pós-graduação da Universidade de São Paulo (USP), é uma campanha para estimular o debate público sobre a abertura dos arquivos da ditadura militar. 
…na contemporânea, dúvida quer abrir debate sobre arquivos da ditadura
Os criadores, que preferem não se identificar, utilizam carimbos para marcar as notas, à exemplo do ocorrido na década de 1970, quando o artista plástico Cildo Meirelles carimbava cédulas de cruzeiro com a pergunta “quem matou Herzog?”. Vladmir Herzog foi um jornalista torturado e assassinado pelo regime militar. 
No site da campanha – quemtorturou.wordpress.com, os organizadores ensinam como aderir ao movimento, fazer seus carimbos e sugerem frases de outros mortos e torturados, como Alexandre Vanucchi Leme, Frei Tito, entre outros.

Com informações da Folha Online. Dica do @fernandinhobn

Inestimável novela péssima

 Eugênio Bucci
A nova novela do SBT, Amor e Revolução, que vai ao ar por volta das 10 da noite, causa uma primeira impressão de quase repulsa, uma primeira impressão que nos desencoraja a esperar pela segunda. É como se ela tivesse vindo para ridicularizar os jovens que, em armas, resistiram ao golpe militar de 1964. Em matéria de melodrama, os guerrilheiros mereciam coisa melhor. A novela acaba com eles. Faz com que recitem falas que soariam primárias até mesmo na boca de ativistas imberbes de um centro acadêmico do ensino médio. Sobra para eles um papel de tolos infantilizados e armados, cujos sonhos socialistas são reedições fáceis dessas campanhas publicitárias que grandes bancos veiculam na TV às vésperas do Natal. Os combates físicos entre policiais e militantes de esquerda são ainda mais constrangedores: lembram uma coreografia canhestra de balé moderno em cidade do interior. Eis enfim a primeira impressão: esses esquerdistas do SBT seriam reprovados em qualquer assembleia de verdade, não seriam aceitos nem no jardim da infância do movimento estudantil.

É uma pena, mas a gente não desiste. A gente resiste e insiste. E não desliga a TV. Conforme os capítulos avançam, a gente nota que não é por mal que a novela fala tão mal da luta armada – e aí vem a segunda impressão que nos envolve: não, não é por querer que Amor e Revolução vai apatetando a esquerda. Aquilo que foi tragédia nos anos 60 agora volta como vexame de TV, mas, a cada nova cena, a gente mantém a esperança: esse vexame virá para o bem.

Amor e Revolução é uma novela ruim pela qual vale a pena torcer. Se há algo de que o Brasil precisa é, vamos usar aqui uma palavra pernóstica, “revisitar” os bastidores e os traumas da luta armada, aí incluída a dura repressão política. A tortura precisa aparecer na TV. É bem verdade que já houve, na década passada, logo após a posse de Fernando Henrique Cardoso como presidente, não uma novela, mas uma minissérie que falou dos guerrilheiros. Foi Anos Rebeldes, na Globo. Mas, naquela minissérie, o tema da tortura recebeu um tratamento elíptico, distanciado. Agora, Amor e Revolução traz longas sequências de tortura. O problema é que elas não são bem-feitas. Ao contrário, poderiam ser chamadas de sensacionalismo melodramático: promovem o encontro estilístico entre o mau gosto e o realismo impostado, que lembra a encenação de crimes de sangue em teatro de circo mambembe. O valor estético é nenhum, mas sempre há o mérito, vá lá, de tocar no assunto. Daí a torcida para que o vexame não seja total nem totalitário.

Quanto à tortura, a novela traz mais do que cenas de ficção. Ao fim de cada capítulo, seres humanos reais, tanto aqueles que defenderam o regime militar como os que o enfrentaram e sobreviveram, dão depoimentos detalhados, em primeira pessoa. Nisso, no uso que faz de testemunhos de gente de verdade ao fim dos capítulos, o SBT apenas copia sem a menor cerimônia a fórmula que fez escola em novelas da Globo, mas, desta vez, o que temos são relatos das vítimas da tortura, num nível de profundidade e numa extensão que nunca se viu na TV brasileira.

Apenas por esses depoimentos, Amor e Revolução já teria valido. Ela ajuda o País a desvelar o tabu, a libertar dos arquivos mortos um assunto que os brasileiros têm o direito de conhecer. Isso não significa revanchismo nem pleitear a devida punição aos torturadores e a seus chefes. Trata-se simplesmente de saber o que aconteceu nas masmorras dos anos 60 e 70 – e só por isso vale torcer para que a nova novela do SBT não sucumba inteira e prematuramente à força imperiosa de seu desastre estético. Torce-se para que o tema da novela ganhe mais repercussão, apesar da própria novela. Quanto ao mais, Amor e Revolução é inestimável por levantar um tema que ainda é tabu, mas é péssima no modo de tratá-lo.

O mais terrível é que não foi por falta de recursos que ela saiu tão mal. Ao contrário, suas deficiências decorrem da combinação entre a abundância de elementos de produção – roupas, carros, cenários, luzes – e a escassez desconcertante de sensibilidade, conhecimento histórico e mesmo inteligência. Há um quê de ingenuidade tardia nessa produção, como se seus autores e diretores não soubessem que já houve, na televisão brasileira, um programa chamado Casseta & Planeta que, definitivamente, mudou o limite do que é ridículo. Às vezes, Amor e Revolução lembra o velho humorístico da Globo caçoando de novelas da própria Globo. Parece um quadro de Casseta & Planeta perdido no tempo.

O que se dá com os figurinos é um belo sintoma da ausência de esmero. Eles estão todos lá, mas, no meio da estrada de terra, não há uma mancha de poeira na farda do soldado que se engalfinha com os guerrilheiros. O colarinho do torturador nunca perde a goma. Assim, todos os trajes de todos os personagens cheiram a naftalina (além de cores, a televisão às vezes transmite cheiros). Todas as mentiras soam cômicas, e todas as verdades ganham a pompa de um embuste.

Por falta de clareza, de legitimidade e de articulação política, a esquerda armada levou a pior na vida real. Por falta de delicadeza, de pensamento crítico e de arte, a novela do SBT, apesar das intenções, vai massacrar os guerrilheiros uma segunda vez.
EUGENIO BUCCI É JORNALISTA, PROFESSOR DA ECA-USP E AUTOR DE VIDEOLOGIAS (BOITEMPO)

Clube de Cinema do Ielusc retorna com "Cidadão Boilesen"


O Clube de Cinema do Bom Jesus Ielusc retoma suas atividades neste sábado, 9 de outubro, às 15 horas, com a exibição do documentário “Cidadão Boilesen”.

O filme conta a história do empresário dinarmaquês do grupo Liquigaz, Henning Boilesen. Boilesen colaborava ativamente com o regime instaurado em 1964, seja assistindo a sessões de tortura pessoalmente, seja recolhendo dinheiro com o empresariado paulista a fim de reforçar o efetivo do regime.

Após militantes desconfiarem da participação do grupo Liquigaz – vários locais de cercos policiais tinham caminhões da empresa na localidade –, um comando guerrilheiro justiçou o empresário.
O filme conta com depoimentos dos diretamente envolvidos, como o filho e amigos do industrial Boilesen e guerrilheiros que participaram da ação de justiçamento, mas também com análises políticas e históricas do período com os historiadores Daniel Aarão Reis e Jacob Gorender e o jornalista Percival de Souza.

A exibição do filme é uma parceria entre o Clube de Cinema e o grupo de estudos do Partido Socialismo e Liberdade de Joinville (PSOL).

Os absurdos conceituais na campanha para presidente

Por Bruno Lima Rocha*

Tenho a impressão que com este texto, serei contestado pelas equipes de campanha de todos os candidatos a presidente, incluindo os próprios. Se este for o preço da honestidade intelectual, sai até barato. O problema está na definição conceitual de esquerda e de terrorismo. Vejo com profundo pesar (os termos são outros, mas aqui não cabem) a taxação de terrorista que circula abundantemente pela internet, visando os 44 milhões de usuários-eleitores da rede. O termo, associado à economista Dilma Vana Roussef, é no mínimo uma injustiça histórica. E os absurdos não param por aí.

Comecemos pelo pensamento de esquerda para depois chegarmos ao terrorismo. Ser ou não adepto dessas matrizes de pensamento implica em, no mínimo, fazer a crítica do capitalismo tanto no modo de produção como no marco civilizatório. Não é e nem nunca foi possível afirmar essa posição no singular. Existem esquerdas. Estas podem ser de base estatista ou federalista, parlamentares ou rupturistas, centralizadoras ou democráticas. Dentre estas posições demarcadas há matizes, e para cada nova causa legitimada através de luta e embates, briga-se para constituir as bandeiras em direitos coletivos.

No meu ponto de vista, Dilma Roussef (PT) não é nada disso. Mesmo que não o diga, é uma keynesiana nacionalista, optando pelo desenvolvimento brasileiro ao custo do pacto de classes e do fortalecimento dos grandes grupos econômicos do Brasil. Daí vem tanto os números positivos do governo (irrefutáveis), como o enorme volume de fusões corporativas, o aumento do peso do Estado na organização social brasileira e as contestadas obras infra-estruturais, a exemplo da Usina Belo Monte. Outro economista, José Serra (PSDB), já foi adepto desta via embora já a abandonara, estando hoje mais à direita. Marina Silva (PV), mesmo sendo defensora da inclusão, sustentabilidade ecológica e diversidade cultural, neste sentido, tampouco é de esquerda. Da matriz de pensamento socialista concorrendo para o cargo de presidente, temos apenas outro pós-graduado em economia, o promotor público aposentado Plínio de Arruda Sampaio (PSOL). Plínio, longe de ser um revolucionário, é partidário do acionar reformista e reivindicativo.

Passemos para o “terrorismo” e as acusações apócrifas contra a ministra de Lula. O terror implica em atentados contra alvos não determinados. A Bomba no Riocentro seria um ato terrorista, assim como o inconcluso ataque contra o Gasômetro no Rio de Janeiro. Nenhuma organização guerrilheira operou dessa forma. O único terror praticado no Brasil foi o de Estado. Dilma não é nem foi terrorista, e sim guerrilheira. Lutou contra a ditadura de forma conseqüente. Ela se portou muito bem quando caiu presa, sobrevivendo nas masmorras da Operação Bandeirantes sem entregar ninguém. José Serra era dirigente estudantil e terminou exilando-se. O mesmo exílio atravessou a trajetória de Plínio de Arruda Sampaio. Já Marina Silva se forjou na política pela militância social acreana, durante o canto de cisne do período ditatorial. Pena que os respectivos campos de alianças dos três primeiros colocados nas pesquisas não respeitam suas trajetórias.

Podemos chegar a duas conclusões. Estes quatro candidatos à presidência, com distintos níveis de risco e compromisso, tiveram uma conduta correta diante do regime de exceção. E, para alegria dos herdeiros da ARENA e das viúvas da ditadura, do jeito que vai a campanha, ninguém mais se lembrará disso no fim de outubro.

Bruno Lima Rocha é cientista político (www.estrategiaeanalise.com.br / blimarocha@via-rs.net)

Jornalista Hondurenho fala sobre golpe militar de Honduras em Florianópolis

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O jornalista hondurenho Rony Martínez estará à disposição da imprensa para entrevistas nesta quinta-feira, dia 18, a partir das 15horas, na sala Adenilson Telles, Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina, no Prédio da FECESC.

Roy está no estado a convite do sindicato e tem proferido conferências nas faculdades de jornalismo em SC. Ele faz parte da equipe de jornalistas da Rádio Globo Honduras, principal rádio da resistência hondurenha durante o golpe de estado de junho de 2009. A rádio – e a equipe de reportagem – recebeu no final do ano passado o Prêmio Ondas, o mais importante prêmio radial da Espanha, que homenageia rádios ibero-americanas. Em 54 anos de prêmio esta é a segunda vez que ele sai para uma rádio latino-americana.

Informações : Elaine – 99078877

Governo admite mais mudanças no Programa de Direitos Humanos

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Por Leonardo Sakamoto

Estive ontem na reunião do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) aqui em Brasília, que aliás completou 46 anos de existência. No encontro, o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, informou que mais pontos devem sofrer alterações no 3º Programa Nacional de Direitos Humanos, divulgado em dezembro do ano passado e que recebeu um bombardeio de setores da sociedade insatisfeitos com propostas ali presentes.

Primeiro, já havia sido anunciada a mudança relativa à criação da comissão que pretende abrir a caixa preta dos crimes contra a humanidade cometidos durante a ditadura. Por pressão, é claro, do Ministério da Defesa e dos verde-oliva, que queriam que os dois lados pudessem ser alvo de escrutínio e não apenas o dos torturadores.

Depois, no dia 27 de janeiro, durante o Fórum Social Mundial em Porto Alegre, o ministro informou que haveria mudanças também na proposta relativa ao aborto. No programa, ele está relacionado ao direito (inalienável, justo, pleno) da mulher ao seu próprio corpo e não apenas à questão de saúde pública (hoje, mulheres pobres morrem ao fazer aborto com agulhas de tricô e caixas de Citotec, mulheres ricas usam clínicas de R$ 4 mil…), como já defendeu o governo federal.

Ontem, o ministro anunciou que também deve haver mudanças na proposta que trata da exigência de audiência com os envolvidos em uma ocupação de terras antes que reintegrações de posse sejam autorizadas pela Justiça.

Provavelmente, no curso das audiências a serem realizadas no Congresso Nacional outros pontos devem ser abordados e podem sofrer alteração. Vannuchi lembrou ontem sobre a pressão de setores da igreja pela mudança na proposta que retira símbolos religiosos de edifícios públicos. Mas minha fé é grande e acredito que, no final, o Lobby da Cruz não vai prevalecer sobre a tese do Estado laico. Até porque isso não depende de programa, é um movimento que já ocorre em todo o país, com promotores, procuradores, juízes, políticos do Piauí, São Paulo, Rio de Janeiro agindo para limar os espaços públicos de elementos que possam configurar respaldo a um grupo específico.

Os pontos que geraram a chiadeira dos representantes de veículos de comunicação, que reclamaram de uma suposta tentativa de censura àqueles que veicularem material contra os direitos humanos, não devem mudar. Bem como outros ditos polêmicos (é incrível como garantir direitos no Brasil ainda é uma polêmica…) e a maioria das mais de 500 propostas.

O ministro disse que o programa é um grupo de propostas e que está sujeito a falhas e passível de correções – além de ser um documento feito por milhares representando outros milhões, exatamente para ser discutido com toda a sociedade. Não vejo problemas em refinar o conteúdo, mas devemos manter o foco para não transformar um grupo de propostas (que já não são suficientemente ousadas pensando na carência de dignidade que reina por aqui) em um livreto de tanto-faz.

Uma amiga jornalista, de um grande veículo, reclamou que muitos dos colegas que eram críticos ao programa faziam a reclamação pelo lado errado. Pois o problema não é o que está lá e pode sair do papel e sim o fato de sabermos que muito do que está lá nunca sairá do papel. O que seria extremamente necessário, uma vez que nossa idiotice e selvageria não tem limites.

Fonte: Blog do Sakamoto

O PNDH-3 e o recuo de Vanucchi

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Desapontador. Esta é a palavra que melhor sintetiza a palestra proferida pelo Ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, no auditório do Centro de Convenções da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Não que o evento tenha sido ruim. Pelo contrário. O problema é que, na segunda-feira, em Florianópolis, o Ministro jogou a bola para os movimentos sociais e para os estudantes. “Quem garante o PNDH-3 não é o governo, são os movimentos sociais organizados”, afirmou. Já no dia seguinte, sai a manchete do Estadão:

“Vannuchi recua em plano de direitos humanos: Pontos polêmicos, que tratam de legalização do aborto, símbolos religiosos, invasões e censura, serão retirados do programa”.

Na palestra, Vanucchi demonstrou claramente seus posicionamentos em relação a alguns ministros. “Não tenho nada em comum com o Reinold Stephanes[Desenvolvimento Agrário] ou com o Jobim [Defesa],por exemplo. Mas estamos em um governo de coalizão”, disse.

O ministro chegou a responder – e a se alterar – com um estudante de matemática. O rapaz subiu ao palco, “acusou-o” de comunista-terrorista baseado em um livro do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o qual carregava embaixo do braço. Ustra foi um dos grandes torturadores do DOI-CODI em São Paulo e chegou a torturar Vanucchi pessoalmente.

“É um nó”

Fui o último a perguntar. Me referindo à fala sobre “a responsabilidade é dos movimentos sociais”, perguntei ao ministro (não são as palavras exatas)

– Existe uma grande ansiedade dos movimentos sociais em ver o PNDH-3 funcionando. O governo Lula conta com o apoio das principais lideranças dos movimentos sociais dos últimos 15, 20 anos, ao mesmo tempo em que tem 80% de aprovação. Isso não é suficiente para chegar aos militares, aos setores conservadores da igreja e dizer “nós vamos aprovar esse projeto”? Se isso não é suficiente, como é que se faz?

O Ministro respondeu que a questão era “um nó” e que nós não podiamos nos esquecer das milhões de pessoas que deixaram de passar fome, e por aí afora. Ao que me parecia, ele não havia respondido a minha pergunta.

Entretanto, a matéria publicada na edição de hoje do estadão e disponível aqui em PDF, não deixa de ser uma resposta – uma das piores possíveis, diga-se de passagem.

Quem perde nessa história não são os movimentos feministas pró-aborto, nem o MST, nem os movimentos de democratização das comunicações: quem perde é o Brasil, que mais uma vez, vê um governo dito “popular” recuar em questões centrais e em bandeiras históricas do povo organizado.