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Escola de Jornalismo é condenada por danos morais após denunciar homofobia de radialista

Reprodução do jornal mural “Cafeína”; 40 exemplares
causaram “dano moral”  a Osny Martins

O Bom Jesus/Ielusc foi condenado a pagar R$ 15 mil por danos morais ao radialista Osny Martins, em Joinville, após alunos do curso de jornalismo publicarem uma declaração homofóbica contra o radialista em um jornal experimental, em maio de 2006.

O autor da declaração é outro radialista e um dos principais concorrentes de Osny Martins, Beto Gebaili, que já havia sido acionado pelo concorrente dez anos antes, por lesão corporal. Gebaili também foi condenado por danos morais no processo.

Entenda o caso

Em 1996, Beto Gebaili agrediu a coronhadas o concorrente Osny Martins em plena Câmara de Vereadores de Joinville. Pela agressão, Gebaili foi condenado a pagar cestas básicas a instituições de caridade, conforme relatado no jornal A Notícia de 25 de junho de 2002. Dez anos depois, o semanário Gazeta de Joinville desenterrou a história em longa reportagem, dando publicidade à má fama de Gebaili

Utilizando a repercussão que o caso teve na cidade em 2006, estudantes do curso de jornalismo do Bom Jesus/Ielusc entrevistaram Gebaili para ouvir a sua versão sobre a história. O exercício fazia parte da disciplina de Meios Impressos II, onde toda a turma formava uma equipe para fechar, até às 22h30, um jornal-mural de duas páginas, com circulação pífia de 40 exemplares.

Aos estudantes, Gebaili admitia a agressão, mas negava que ela havia sido feita com um revólver, mas sim, com suas próprias mãos, pois “Em bicha a gente bate com a mão”. A declaração virou manchete do jornal Cafeína, denunciando a homofobia de Beto Gebaili.

Osny Martins sentiu-se ofendido por Gebaili – com razão – e processou também o Ielusc por ter divulgado a declaração. O pior é que Gebaili levou o jornal ao seu programa de televisão, exibiu-o às câmeras e disse que tudo que estava ali era verdade, e que os estudantes de jornalismo estavam de parabéns.

Para o juiz Rodrigo Tavares Martins, agiu com irresponsabilidade e excesso de direito o periódico “Cafeína”, mantido pelo réu Bom Jesus – IELUSC, ao colocar como manchete frase ofensiva claramente dirigida ao autor, com a nítida intenção de dar destaque à reportagem, o que contribuiu ativamente para atingir a honra do autor.

Jornal Sem Terra completa 30 anos

Por Joana Tavares, do Brasil de Fato
“Nós somos mais de 500 famílias de agricultores que vivíamos nessa área (Alto Uruguai) como pequenos arrendatários, posseiros da área indígena, peões, diaristas, meeiros, agregados, parceiros, etc. Desse jeito já não conseguíamos mais viver, pois traz muita insegurança e muitas vezes não se tem o que comer. Na cidade não queremos ir, porque não sabemos trabalhar lá. Nos criamos no trabalho na lavoura e é isto que sabemos fazer.”
Assim começa o primeiro Boletim Informativo da Campanha de Solidariedade aos Agricultores Sem Terra, e assim começa parte importante da história do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Ali, em 1981, no entrocamento das cidades de Ronda Alta e Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, acontece a ocupação de terra que é considerada a semente da organização do MST. As famílias ocuparam um trecho da estrada para reivindicar a posse da terra. Exigiam a desapropriação de latifúndios na própria região, e não em projetos de colonização em outros estados.
Novas pessoas foram se juntando. Aos poucos, o acampamento da Encruzilhada Natalino foi se tornando referência – tanto para os trabalhadores como para a repressão. O então presidente , o general João Batista Figueiredo, enviou um de seus quadros de maior confiança para cortar a mobilização popular. O coronel Curió – Sebastião Rodrigues de Moura, membro do Conselho de Segurança Nacional, o mesmo que desmobilizou a Guerrilha do Araguaia – cercou a região onde as famílias se instalaram com seus barracos de “armação de bambu, cobertos de plásticos, lonas e, grande parte, apenas de capim”, conforme descrição do boletim. As duas extremidades da estrada foram fechadas, impedindo a circulação.
“A porteira se abre”
Para romper o cerco, uma das inciativas foi a criação do Boletim, feito na capital do estado pelo Movimento de Justiça e Direitos Humanos e Comissão Pastoral da Terra do Rio Grande do Sul. “A gente mandava bilhetes para Porto Alegre e o pessoal de lá escrevia o que estava acontecendo fora do acampamento. Assim, o boletim cumpria uma dupla finalidade:informava os amigos da situação que nós vivíamos e repassava as informações para quem estava confi nado lá dentro”, lembra Maria Izabel Grein, militante do MST que estava na ocupação e hoje compõe o setor de educação no Paraná.
O Boletim chegou, por exemplo, até Adnor Bicalho Vieira, o Parafuso, que atuava na Comissão Pastoral da Terra de Santa Catarina. “Aquilo era uma denúncia do que acontecia com nosso povo. Foi uma maneira de ficarmos sabendo que havia diferentes formas de organização. Quando as coisas ficam isoladas, ninguém sabe. Aquele boletim motivou a organização da classe trabalhadora”, acredita.
Vladimir Caleffi Araujo, jornalista que acompanhou o boletim desde o início e foi seu editor até 1986, afi rma que o informativo surgiu de uma necessidade de divulgar a luta dos acampados e a extensa rede de solidariedade formada a partir dela.
“As informações eram recolhidas de diversas formas e repassadas para um comitê de apoio que se formou em Porto Alegre. E nós tínhamos esta tarefa de juntar esta massa de informações e divulgá- las. Este boletim, no início rudimentar, passou a ser editado e acabou transformando-se no boletim dos sem terra, numa espécie de porta-voz dos acampados”, lembra Vladimir, que atualmente dirige o Centro de Pesquisa e Documentação da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.
O Boletim não circulava com periodicidade fixa, variava de semanal para quinzenal. O número de páginas também mudava de acordo com os temas tratados. A tiragem girava em torno de 700 exemplares. Além de retratar a situação das famílias do acampamento, trazia dados da solidariedade recebida e de outras lutas no Brasil. Em julho de 1982, o boletim anuncia que passaria a ser regional, “como o órgão de divulgação de suas lutas em cinco estados: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul”.
Em novembro de 1983, circula uma “edição histórica”, com cinco mil exemplares. “A porteira se abre”, anuncia a manchete, acompanhada da tradicional cruz com os panos simbolizando as crianças mortas no acampamento, por negligência do Estado. A edição comemorava a aquisição de terras para os colonos, na região de Ronda Alta. Hoje, parte das famílias está assentada na fazenda Anonni. Em 9,2 mil hectares vivem 450 famílias, em sete comunidades. Há ginásios de esportes, uma escola estadual, duas municipais e uma escola técnica de agroecologia.
Acesse o site do MST.

Dia do Jornalista será “novo ponto de partida” do movimento em defesa do diploma

 Ampliar a mobilização pela aprovação das Propostas de Emenda Constitucional (PECs) que restabelecem a exigência do diploma como requisito para o exercício da profissão é a ordem do dia das entidades e apoiadores da campanha em defesa do diploma após os contatos políticos que a Caravana dos Jornalistas realizou em Brasília de 23 a 25 de março. Nas audiências com os presidentes do Senado e da Câmara, e na reunião com parlamentares das duas Casas, ficou fortalecida a perspectiva de votação das propostas sobre o tema no Congresso Nacional em abril.

Em audiência com dirigentes da FENAJ, de Sindicatos de Jornalistas e com senadores no dia 23 de março, o presidente do Senado, José Sarney, manifestou disposição de incluir a PEC 33/09 na pauta do plenário após a votação de medidas provisórias que obstruem a apreciação de outras matérias. E sugeriu aos representantes da campanha em defesa do diploma que dialoguem com os líderes partidários com vistas a encaminhar a tramitação da matéria. Já aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, a PEC 33/09, de autoria do senador Antônio Carlos Valadares (PSB/SE), tramita sob a forma de substitutivo que precisa da aprovação do plenário da Casa em dois turnos de votação.

No dia seguinte, representantes das entidades sindicais dos jornalistas e parlamentares foram recebidos pelo presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia, que adiantou seu objetivo de realizar, possivelmente em abril, um processo de votação de PECs que não acarretem despesas públicas e que sejam passíveis de obter acordo de lideranças. Maia também estimulou os jornalistas a prosseguirem nas articulações com lideranças partidárias para a inclusão da PEC 386/09 na pauta do plenário da Câmara. Os deputados Paulo Pimenta (PT/RS), autor da PEC, José Guimarães (PT/CE) e Chico Lopes (PCdoB/CE) também participaram da audiência.

A comitiva de dirigentes também foi recebida pelo líder do PT no Senado Federal, Humberto Costa (PE), e pelo líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), juntamente com o senador Eunício Oliveira (PMDB/CE), ex-ministro das Comunicações. “Todos declararam apoio integral às PECs do diploma e se comprometeram a trabalhar os votos de suas bancadas”, afirma a tesoureira da FENAJ, Déborah Lima.

Deputados e senadores comprometidos com este objetivo colhem assinaturas para a reinstalação da Frente Parlamentar em Defesa do Diploma. A idéia é lançá-la em ato a ser realizado em Brasília no dia 6 de abril, em homenagem ao Dia do Jornalista.

“Com a agenda que nossa caravana realizou, a retomada da tramitação das propostas ficou fortalecida”, considera o presidente da FENAJ, Celso Schröder, avaliando as audiências com os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados como “extremamente positivas”. Ele destaca, porém, que para assegurar a aprovação das PECs 386/09 e 33/09 é preciso intensificar as mobilizações. “Precisamos colocar o bloco na rua desde já”, defende. “E o Dia do Jornalista, 7 de abril, é nosso novo ponto de partida para ecoar na sociedade a defesa do diploma como condição necessária para qualificar o exercício do Jornalismo”, completa.

A 1ª vice-presidente da FENAJ, Maria José Braga, reforça tal entendimento. “No dia 26 de março, com a participação de dirigentes de 14 Sindicatos de Jornalistas, o Conselho de Representantes da FENAJ reafirmou a prioridade de desenvolver ações pela aprovação das PECs”, registra, informando que além de ampliar as mobilizações, ficou definida a orientação para que os Sindicatos de Jornalistas intensifiquem nos seus respectivos estados e regiões o contato para convencimento de deputados federais e senadores.

Exigência de diploma em Jornalismo para cargos públicos agora é lei em SC

A Assembleia Legislativa de Santa Catarina derrubou, em sessão plenária realizada nesta quarta-feira (30), por 24 votos contra 1, o veto do governador Raimundo Colombo (DEM/SC) ao Projeto de Lei Complementar 63/2010. Superado o quorum mínimo necessário de 21 votos, a exigência de diploma de Jornalismo para a ocupação de cargos na área de comunicação na administração direta e indireta catarinense agora é lei.
Aprovado por unanimidade no final do ano passado, o PLC 63/2010, de autoria do deputado Kennedy Nunes (PP/SC), foi vetado pelo governador sob o argumento de inconstitucionalidade por conflitar com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, em 2009, derrubou a exigência do diploma em Jornalismo como requisito para o exercício da profissão.
Descontente com tal posição, o Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina desenvolveu um intenso trabalho de contato e convencimento dos parlamentares, bem como de mobilização da categoria em defesa do projeto. A FENAJ encaminhou documento aos parlamentares com decisões judiciais sustentando que a exigência do diploma em concursos públicos não é inconstitucional.
Após a divulgação do resultado da votação secreta no placar eletrônico, sindicalistas, profissionais e estudantes que acompanharam a sessão comemoraram nas galerias e na Sala de Imprensa da ALESC. De acordo com o autor do projeto, a decisão dos parlamentares assegura a qualidade na prestação de serviços de informação pelo poder público estadual.
Santa Catarina é o segundo estado onde o veto governamental a projetos com este conteúdo é derrubado. Pioneiro em tal postura o Legislativo gaúcho derrubou, em maio do ano passado, o veto da então governadora Yeda Crusius (PSDB/RS) ao projeto de lei 236/2009, de autoria do deputado Sandro Boka (PMDB/RS).
Com informações da Assessoria de Imprensa da ALESC

Justiça condena Globo, RBS TV e Estado de Santa Catarina pelo caso do falso "Maníaco da Bicicleta"

“Retrato falado” de Aluísio, publicado no A Notícia em 7 de novembro de 2000. Foto foi fraudada pela Polícia Civil para “acalmar”  a sociedade. Imagem foi divulgada em rede nacional pelo Fantástico, da Globo
Leonel Camasão
O Grupo RBS, a TV Globo e o Estado de Santa Catarina foram condenados nesta quinta-feira (24) pela Justiça de Joinville a indenizar o cidadão Aluísio Plocharski em R$ 270 mil. A decisão é resultado de uma ação movida pela família de Aluísio, falsamente acusado de ser o “Maníaco da Bicicleta” , criminoso que ficou conhecido na cidade por ser autor de vários crimes sexuais em Joinville.
O caso ocorreu no final do ano 2000, quando mulheres foram atacadas por um estuprador que se movia na noite da cidade em uma bicicleta. O medo tomou conta da cidade, e o caso ganhou repercussão na imprensa. Para acalmar a populaçã, a Polícia Civil de Joinville fraudou um retrato falado a partir de uma foto de Aluísio Plocharski. A foto foi digitalizada e alterada para se parecer com um retrato falado e foi publicada no jornal A Notícia. 
A história se repetiu
A operação foi comandada pelo delegado de polícia José Dirceu Silveira Júnior, que hoje, comanda a Delegacia de Trânsito em Joinville. Dirceu também comandou a operação que prendeu o pedreiro Oscar do Rosário, acusado de estuprar uma criança e afogá-la na pia batismal de uma igreja adventista, em Joinville. O caso é bastante polêmico, mas não há evidências de que Oscar seja o culpado. Recentemente, ele foi inocentado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
Com a divulgação do retrato, o rosto de Aluísio foi parar no dominical Fantástico, da TV Globo, e sua vida foi destruída. Perdeu o emprego, amigos, começou a ser apontado na rua e quase foi vítima de linchamentos. Com o seu rosto exposto como se fosse o de um bandido em série, Aluísio se viu cercado dentro de casa,  não conseguiu emprego, quase acabou agredido por populares nas poucas vezes em que arriscou sair à rua e ainda teve sua imagem manchada pra sempre. Inocente, ele se viu preso dentro de casa, com graves implicações psicológicas. O verdadeiro responsável pelos estupros era o mecânico ferramenteiro, Marlon Cristiano Duarte, 26 anos, que foi reconhecido por todas as vítimas.

"Jornal Nacional" encerra 2010 com pior audiência da história

Redação Portal IMPRENSA
O “Jornal Nacional” (“JN”), da Rede Globo, encerrou 2010 com a pior audiência da história. De acordo com pesquisa do Ibope, o jornalístico atingiu média de 29,8 pontos na Grande São Paulo e teve 49,3% de participação no número de televisores ligados (share) na região.
Segundo a coluna de Keila Jimenez, no jornal Folha de S.Paulo, os dados representam uma queda de 24% no índice de audiência comparado a 2000, quando a atração registrou média de 39,2 pontos e 56% de share. Ou seja, de cada quatro telespectadores, um deixou de sintonizar a emissora no horário em que o “JN” foi exibido no período.
Além disso, esta foi a primeira vez que o jornalístico registrou índice inferior a 50% de share. Em 2004, o “JN” chegou a ter 61,9% em participação de televisores ligados e atingir média de 39,4 pontos de audiência.
Para tentar diminuir a migração do público de canal, a Globo mudou o horário de exibição de seus programas da chamada “faixa nobre” no final de 2010. As atrações que começavam a ser transmitidas às 20h começaram a entrar 15 minutos mais tarde. O próprio “Jornal Nacional” passou a ser exibido às 20h30; a novela “Passione” às 21h10, e foi estendida até as 22h15 ou mais.

Gol contra da Folha

A Folha de S. Paulo (SP) esquece a ética e o senso de Justiça e interpreta os fatos em causa própria – sem pensar no que é melhor para o cidadão.
A manchete de hoje é um gol contra na lógica de um país democrático.
Se o Governo Federal ampliou de 499 para 8.094 o número de veículos que recebem publicidade oficial isso deve ser comemorado – e não demonizado.
Mas é que, com isso, a fatia da Folha ficou menor. E se ficou menor, o jornal da família Frias reclama. Em manchete. Como já fez com um editorial de capa, há dois anos.
Gol contra. O interesse do jornal falou mais alto que o do leitor. Assim começam as crises de uma empresa de comunicação.
Fonte: Mídia Mundo

PT no divã

Por Upiara Boschi*
Da senadora Ideli Salvatti (PT), terceira colocada na disputa pelo governo estadual, aos vereadores petistas do interior do Estado, uma avaliação sobre eleições de outubro é unânime: o partido subestimou a capacidade de reagrupamento da tríplice aliança. Esse foi um dos principais pontos da reunião ampliada do diretório estadual do PT, realizada no sábado na Assembleia Legislativa dois meses depois do primeiro turno.
Fora das unanimidades, foram muitos os pontos levantados pelas lideranças petistas no auditório Antonieta de Barros. Mesmo a passagem do tempo e a necessidade de mostrar unidade para emplacar nomes nos cargos federais não impediram os petistas de colocarem muitos dedos em suas próprias feridas.
Erros na comunicação, simbolizados na figura do Louro Zezé, o personalismo de uma campanha praticamente toda voltada a falar de ações do governo Lula, a desvinculação das estratégias das candidaturas de Ideli Salvatti ao governo e de Cláudio Vignatti ao Senado, o privilégio de interesses pessoais na formação das chapas proporcionais, a baixa votação em Joinville, cidade do prefeito Carlito Merss (PT), e até o conservadorismo do eleitorado catarinense. Tudo isso e mais um pouco foi citado no encontro, na prometida lavagem de roupa suja do partido.
Entre possíveis motivos para a derrota, um não foi sequer citado: a falta de acordo para coligar com o PP de Angela Amin, segunda colocada na disputa.
Para Ideli, a vitória de Raimundo Colombo (DEM) em primeiro turno surpreendeu até mesmo a tríplice aliança. Ela avalia que petistas e pepistas apostaram em defecções do PMDB e do PSDB que acabaram não acontecendo. Essa aposta inviabilizava um palanque único.
Olhando para a frente, o PT tem a complicada missão de manter a unidade visando as eleições de 2012. Na Assembleia, será praticamente a única voz de oposição ao governo Colombo – que já conta com a simpatia declarada do PP. Com sete deputados, mais Angela Albino (PCdoB) e Sargento Soares (PDT), a oposição terá que gritar muito para ser percebida. Alguns temas da agenda do futuro governo, como a ideia de repassar o controle de hospitais públicos para organizações sociais, já estão sendo monitorados.
Sem eleger a governadora e perdendo a vaga no Senado, o PT catarinense sai menor de uma eleição em que apostou tudo. Das urnas, traz uma pergunta que é respondida com divagações: como derrotar a tríplice aliança?. O único caminho concreto apontado é conquistar o PMDB, aliado petista em nível nacional.
Como destacou Lino Peres, de Florianópolis, se o PT resignar-se em dizer que o eleitorado catarinense é conservador e por isso não o elege, estará condenado a repetir esse tipo de reunião a cada dois anos.
*Jornalista do Diário Catarinense

O "cara" dos direitos humanos

O ativista Fraga, de Tropa de Elite 2, foi inspirado em um herói de carne e osso: o carioca Marcelo Freixo, professor de História e deputado estadual pelo PSOL, que está provocando uma reviravolta no modo de pensar a criminalidade e a segurança pública no Rio de Janeiro
Marcelo Salles
Inspirador de um dos personagens mais instigantes de Tropa de Elite 2 – o ativista Fraga -, ameaçado de morte pelas milícias e amigo número um dos movimentos populares. Quem é esse cidadão que anda com escolta armada 24 horas por dia, luta pelos direitos humanos e tem a admiração de expressiva parcela da juventude fluminense?
O professor de História, pesquisador e deputado estadual (PSOL-RJ) Marcelo Freixo, de 43 anos, é nascido e criado em Niterói e começou a se politizar no Fonseca, bairro da Zona Norte da cidade. Foi no Fonseca que Marcelo teve o primeiro contato com um presídio, o Ferreira Neto, onde jogava futebol com os amigos – único lugar do bairro onde havia um bom campo. Então com 16 anos, jamais imaginou que os presídios viriam a ser lugar comum em sua vida.
Freixo perdeu a conta das vezes em que esteve em uma unidade do sistema prisional. Conhece todos os presídios do Rio de Janeiro, onde deu aulas e elaborou relatórios denunciando maus tratos e tortura contra presos. Também foi figura-chave para mediar rebeliões e, por muitas vezes, foi levado de helicóptero pela polícia até os presídios – onde chegou a ficar três dias consecutivos, acordando e dormindo com a única missão de encerrar conflitos. “Em nenhuma das rebeliões que negociamos houve um preso morto, uma pessoa ferida; nunca houve preso espancado nem refém morto”, afirma, marcando uma diferença importante entre a realidade e a ficção apresentada em Tropa de Elite 2, em que o personagem inspirado em sua história, Diogo Fraga, é negociador de uma rebelião que termina em tragédia.
Nesta entrevista à Brasileiros, Freixo fala de sua infância humilde, da educação rígida que recebeu dos pais e da militância em direitos humanos. Também fala sobre sua primeira eleição em 2006, quando disputou o cargo para deputado estadual pelo PSOL e foi eleito com apenas 13 mil votos, e sobre a reeleição neste ano, com a expressiva marca de 177 mil votos – o segundo mais votado em todo o Estado. Como entender esse crescimento? Freixo credita o resultado ao entendimento da população de que é necessário tratar a coisa pública com respeito. E também considera uma vitória pedagógica, já que todos os que nele votaram conhecem seu histórico de luta pelos direitos humanos. Sem se esquecer das lutas nas áreas da Educação e da Cultura, para Freixo é preciso continuar trabalhando firme no eixo segurança pública-direitos humanos. Nessa esfera, seu mandato foi o responsável pela implantação da CPI das Milícias, que investigou e pediu o indiciamento de mais de 200 pessoas no Rio de Janeiro, além de propor 58 iniciativas para o combate desses grupos criminosos. Mais que isso, esse trabalho proporcionou uma reviravolta no entendimento da população. Houve um tempo em que autoridades, como prefeitos, defendiam abertamente a atuação desses grupos, que funcionariam como autodefesas perante o tráfico de drogas. Quanto a isso, Freixo é taxativo: “Milícia é máfia. Trata-se da maior ameaça à segurança pública no Estado”. E alerta: “Elas vão continuar crescendo enquanto não forem atacados seus braços econômicos”. E o tráfico de drogas? “Ao contrário das milícias, o varejo do tráfico não é organizado. O combate ao tráfico de drogas no Rio é muito mais utilizado para justificar a repressão nos lugares pobres que qualquer outra coisa.”
Brasileiros – Quem é Marcelo Freixo?
Marcelo Freixo – Tenho 43 anos, moro em Niterói. Sou flamenguista, tenho dois filhos, o João tem 20 anos, a Isa tem 12. Minha mulher é a Renata, jornalista. Sou professor de História e dou aula há mais de 20 anos, continuo em sala de aula, mesmo sendo deputado. Sempre trabalhei com educação popular. Comecei a militar quando eu tinha 17 para 18 anos no Fonseca, bairro da Zona Norte de Niterói, no movimento cultural e comunitário do bairro. Depois, fazendo faculdade de História, tive a chance de começar a dar aula em presídios. Essa foi minha maior aprendizagem, foi onde me tornei militante dos direitos humanos. Eu era aluno da faculdade de História e consegui um estágio sem remuneração no presídio Edgar Costa, em Niterói, e ali dei aula muito tempo. Depois, coordenei um projeto de educação popular com base na metodologia Paulo Freire. Ao todo, são mais de 20 anos trabalhando dentro de prisões das mais variadas formas. Aí começa a militância, já trabalhei com prevenção à AIDS dentro das cadeias, depois fui presidente do Conselho da Comunidade, órgão que fiscaliza o sistema prisional, já visitei todas as prisões do Rio de Janeiro, fui pesquisador do Justiça Global, uma organização de direitos humanos, na qual trabalhei com pesquisa sobre segurança pública e direitos humanos.
Brasileiros – E seus pais?
M.F. – Meus pais são pessoas muito simples, vivem no Fonseca até hoje, onde nasci e fui criado. Meu pai tem pouca escolaridade, minha mãe tem um pouco mais, completou o ensino médio recentemente em um supletivo. Meu pai nem isso. Os dois sempre foram funcionários públicos, eram profissionais da educação, do setor de apoio; meu pai, inspetor, e minha mãe trabalhando na secretaria. Então, a escola sempre foi uma coisa muito presente na minha casa. Tenho dois irmãos, um faleceu há quatro anos e meio, o outro é o caçula, mora em Niterói também, é casado, tem dois filhos.
Brasileiros – Como foi sua formação em casa? Teve formação religiosa?
M.F. – Nunca tive formação religiosa. Minha mãe é católica, mas não é praticante. Meu pai nem isso. Então, a formação sempre foi muito firme no que diz respeito a valores de honestidade, de correção, de ética, muito mais por exercício prático que por formação teórica. Foi uma educação muito rígida nesse sentido, pelo exemplo que os dois davam na prática. Meu pai é do interior do Estado, de São Fidélis, e começou a trabalhar muito cedo, em padaria, camelô. Até que começou a trabalhar em escola, se aposentou e sempre foi muito simples. Nunca teve carro nem telefone, só depois de velho, porque antigamente era muito caro. Nunca tive telefone nem carro em toda a minha juventude. Não tinha dinheiro para comprar roupa, para fazer baladas. Tanto é que comecei a trabalhar com 15 anos, distribuindo papel na rua para poder ter dinheiro para pular Carnaval. Depois, comecei a trabalhar em banco. Trabalhei no Banco do Progresso, que era aqui na Rua do Ouvidor (Centro do Rio), trabalhei como boy, contínuo. Fui até os 19, quando saí para trabalhar como atendente em uma escola, na secretaria do Colégio Itapuca, em Niterói. Trabalhava de manhã e à tarde, enquanto fazia o pré-vestibular à noite. Aí, passei, fiz História na Universidade Federal Fluminense (UFF) e comecei a dar aula lá, nunca mais parei de dar aula. Trabalhei junto com meu pai, dando aula no colégio em que ele era inspetor.
Brasileiros – Que lição você tirou desses trabalhos?
M.F. – Isso atrapalhou um pouco o nível de estudo que eu queria ter, mas eu consegui ter a minha formação, mesmo estudando à noite. Sempre gostei muito de ler. E o trabalho ensinava muito. Sempre trabalhei, nunca tive medo de trabalho. Meu pai sempre teve uma humildade muito grande, e eu sempre carreguei isso, que acho que me ajuda muito como deputado hoje. Essa coisa de ter o olhar igual, o olhar da solidariedade, não me ver diferente de ninguém. Comi, durante muito anos da minha vida, em marmita. Tinha de abrir a escola, chegava às seis da manhã. Para ver se a escola estava toda organizada, ligava tudo. E tinham dois funcionários que varriam a escola, chegavam junto comigo, e eu sempre levava uma marmita muito grande e dividia com eles. Minha mãe me ajudava a fazer. E a gente almoçava junto nos fundos, saía da escola quase 11 horas da noite, e aí dormia, preparava a marmita e voltava no dia seguinte. Foi sacrificante, mas é como a maioria do povo brasileiro. Isso faz a gente aprender a valorizar o trabalho, a ter mais consciência. A consciência não vem apenas dos livros. Vem principalmente do que você passa. Pelo menos quando isso te atinge mais profundamente, vem mais do que você passa do que você lê. Não estou negando a formação teórica, mas acho que ela ganha mais substância quando você tem uma realidade prática que te conduz a outro entendimento da vida.
Brasileiros – Como foi sua adolescência e juventude?
M.F. – Tinha um presídio em Niterói, tem até hoje, a Penitenciária Vieira Ferreira Neto, onde eu jogava aos finais de semana. Era de um time que alugava o campo do presídio. O juiz era um preso, se faltava um jogador era um preso que completava. Então, quando comecei a trabalhar na cadeia, tinha muito a ver com o que eu passei na juventude. Quando eu era garoto, com 16 anos, eu nunca imaginava isso. Só queria jogar bola e lá era um bom campo – o único que tinha no Fonseca, diga-se de passagem. Mas é óbvio que isso mexeu comigo, que alguma coisa ficou. Depois que eu ganhei consciência, isso me ajudou.
Brasileiros – Ganhar consciência: você se lembra em que momento da vida isso aconteceu?
M.F. – Não tem um momento, isso veio acontecendo. Acho que o movimento comunitário cultural do Fonseca foi muito bacana, é um lugar de que eu gosto muito. Meus pais estão lá até hoje, meus verdadeiros amigos de infância também. Olhar o Fonseca, como as coisas aconteciam, como a polícia agia lá, amigos que a gente foi perdendo, outros que se envolveram com outras coisas, outros que não. Aos 18 anos, fui convidado para fazer um curso de Filosofia, aos sábados. Ficava lá o dia inteiro. Era um grupo inquieto, movido pela indignação, inconformismo, pela necessidade de pensar politicamente. E ali eu conheci gente ligada a música, poesia, gente que lia coisas que eu não conhecia. Então, esse momento foi muito importante na minha formação, Gustavo Stefan, que hoje é fotógrafo do jornal O Globo; Marcelo Diniz, que é letrista e poeta; Marcelinho Martins, que era saxofonista do Ivan Lins e do Djavan; Marcello Antony, que hoje é ator da TV Globo. A cultura contribuiu muito… Acho que foi um somatório de coisas que contribuíram para minha formação.
Brasileiros – Em termos de leitura, o que te influenciou?
M.F. – Tenho uma influência marxista muito forte. Porque antes de História fiz Economia e achava um saco a estatística e a matemática financeira, que são importantes em um curso de Economia. Então, eu lia muito sobre economia política. Lia a Escola de Frankfurt, Marx, Smith. Fiquei três anos estudando isso profundamente, até que ficou claro que meu caminho não era a Economia. Então, fui fazer História, que só me ampliou isso. Quando comecei a trabalhar mais com segurança pública, me inspirei muito em (Zigmunt) Bauman; também gosto muito do Loic Wacquant, esse pessoal que pensa segurança pública junto à questão do cárcere, pensando na sobra da sociedade, na distinção entre pessoas, quem vale e quem não vale, o elemento da dignidade.
Brasileiros – O que você fazia na presidência do Conselho da Comunidade?
M.F. – Esse conselho é formado pela sociedade civil organizada que tem, segundo a Lei de Execução Penal, a obrigação de fiscalizar os presídios e fazer relatórios. Foi um conselho que mobilizou muita gente. Tinha Justiça Global, Iser, Viva Rio, Conselho Regional de Psicologia, Conselho Regional de Serviço Social, Conselho Regional de Medicina, Grupo Tortura Nunca Mais. Então, eram muitas organizações importantes de direitos humanos, de peso, que foram para o Conselho da Comunidade. Aí, eu fui eleito presidente, em torno do ano 2000. Por quatro anos, fui presidente. Durante muitos anos, eu tive a Guta, a Maria Augusta, que faleceu há pouco tempo em um acidente de automóvel, como a grande companheira de visita nas prisões, de rebeliões. E foram dezenas de rebeliões em que passamos madrugadas. Quantas vezes ela deixou seu filho pequeno em casa, eu também deixei os meus, para ir negociar em rebeliões. Já fiquei três dias em Bangu negociando. Foram dezenas de vezes. Cada uma com uma história diferente, mas em nenhuma das rebeliões que negociamos houve um preso morto, uma pessoa ferida; nunca houve preso espancado nem refém morto. O Batalhão de Operações Especiais (BOPE) ia me pegar em casa de helicóptero, porque eram situações de emergência. O trabalho que eu fazia me ajudava muito, porque eu entrava sistematicamente nas prisões, então, quando chegava a uma rebelião, não estava chegando só na rebelião, os presos me conheciam, sabiam meu nome. Isso foi muito importante.
Brasileiros – Quanto tempo você ficava nas visitas, uma, duas horas?
M.F. – Muito mais, muito mais tempo. Então, isso me tornou uma pessoa conhecida nas cadeias. E os relatórios provocavam denúncias muito sérias. A gente tinha muito acesso à mídia e isso gerava um mal-estar muito grande. Isso foi até 2004.
Brasileiros – Entre 2004 e 2006 você estava na Justiça Global?
M.F. – Sim. Entrei em 2000. Era a Justiça Global que me indicava para o Conselho da Comunidade. Trabalhava com pesquisa, fizemos o relatório Rio, que fala da letalidade policial, uma das mais altas do mundo, da polícia do Rio, conta casos concretos de violações, documenta esses casos. Acompanhei os relatores da ONU aqui, Nigel Rodley e Asma Jahangir, que fizeram relatórios muito impactantes. Em 2005, saí do PT, depois de ser filiado por 20 anos. Em 2006, entrei no PSOL para ser candidato, convencido por Milton Temer e Chico Alencar. Em princípio, ia ficar nos movimentos sociais, militando.
Brasileiros – O que eles disseram para te convencer?
M.F. – Falaram da possibilidade de construção do PSOL, que era uma necessidade de cumprir um papel institucional de esquerda – todo mundo que tinha um trabalho social e fosse companheiro nosso que entrasse no PSOL e fosse candidato. Eu estava muito próximo da Anistia Internacional, tinha saído do Brasil durante um mês organizando a campanha contra o caveirão, foi um momento importante. Então, eles tiveram de me convencer muito. Entrei para ajudar a campanha do Chico. Acho que a dobrada comigo lhe daria um acesso aos movimentos sociais. E acabou que fui eleito.
Brasileiros – Aí foi o ponto de virada? Treze mil votos, aquela surpresa. Era preciso pensar na sua vida, que iria mudar totalmente, montar equipe, etc. De cara, você propõe a CPI das Milícias, mas não só. Tem uma atuação importante na Educação, na Cultura, na cassação do Álvaro Lins (ex-deputado estadual pelo PMDB e chefe da Polícia Civil durante o governo de Rosinha Garotinho; Lins foi preso pela Polícia Federal em maio de 2008 sob acusação de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, facilitação de contrabando e corrupção passiva).
M.F. – O Álvaro foi cassado pelos crimes que cometeu enquanto era chefe de polícia. Eu tive acesso aos documentos da Polícia Federal, pedi a cassação dele, ficou um ano aqui trancada, depois a PF o prende, a Assembleia tem de soltar e a situação vira. O bolsa-fraude (esquema de nomeação de laranjas para montar caixa 2 com o auxílio-escola dos filhos), nós descobrimos junto com um jornal, que provocou a cassação de duas parlamentares, mas podia ter cassado mais.
Brasileiros – Nesse ponto, vale destacar o trabalho do Marcos Nunes.
M.F. – Um jornalista excepcional, investigativo, correto. Na verdade, esses episódios marcam muito um campo ético, republicano, que acho que explica muito a nossa votação seguinte. Não são 177 mil votos ideológicos no PSOL, não tenho essa ilusão. Até quem tem um perfil conservador para outros assuntos acha que isso é importante, apesar de divergências menores. Então, vota pela questão da seriedade, na conduta com a coisa pública, acho que isso acaba tendo um grande peso na política hoje.
Brasileiros – Você, Chico Alencar e Alessandro Molon, parlamentares que têm os direitos humanos como bandeira, tiveram quase o dobro de votos do que aqueles que fazem campanha aberta contra os direitos humanos, como a família Bolsonaro. Como você avalia isso?
M.F. – Foi uma vitória. Uma vitória pedagógica. A gente reafirmou isso o tempo inteiro. A gente não fugiu do debate. Porque é caro o debate de direitos humanos. Porque em uma sociedade marcada pelo medo, você tem um processo de intolerância muito grande. A intolerância advém muitas vezes do medo. E a luta pelos direitos humanos sofre muito com isso. Não é à toa que o direito do consumidor é muito mais valorizado que os direitos humanos.
Brasileiros – Por quê?
M.F. – Porque é visto como cidadão quem consome. Toda a lógica do sistema é voltada para a lógica do mercado, desde as datas comemorativas até uma forte produção da necessidade do consumo. Então, o direito do consumidor é visto como uma coisa sagrada, enquanto os direitos humanos são polêmicos. Avança-se muito mais nas regras para garantir os direitos do consumidor do que nas regras para garantir os direitos humanos. O Programa Nacional de Direitos Humanos ficou muito longe do consenso, mas o Procon é consenso. Os direitos dos povos indígenas, dos homossexuais, das mulheres, dos presos, tudo o que a gente coloca nesse saco dos direitos humanos é polêmico, porque a história do Brasil não é marcada pela construção de uma cultura de direitos, ela é marcada pela intolerância, pela segregação. Então, uma campanha calcada nos direitos humanos, quando vitoriosa, é muito simbólica.
Brasileiros – Você diria que há um componente forte de desinformação na produção dessa cultura do medo?
M.F. – De desinformação e de uma outra formação, as duas coisas. Você tem uma formação religiosa conservadora que avança no País, que não pode ser chamada de desinformação, é uma determinada formação. E tem uma desinformação muito grande também. Por isso, eu digo que a luta é pedagógica, da construção do olhar. O professor Marcos Alvito, da UFF, faz uma análise interessante do olhar de medusa, que mata. Então, quando você olha para algo diferente e não aceita, você transforma em pedra, tira o brilho. A gente precisa reverter isso para o olhar da esperança, da tolerância, da solidariedade, do entendimento, da compreensão. Acho que as campanhas foram vitoriosas nesse sentido. Foram votos marcados por essa identidade. Ninguém que votou em mim tem dúvida de que sou um militante dos direitos humanos porque minha vida é marcada por isso.
Brasileiros – Você poderia falar sobre a Lei do Funk?
M.F. – A partir da nossa apresentação, o projeto de lei que descriminaliza o funk e retira as barreiras para a realização de festas foi aprovado na Assembleia Legislativa, em setembro de 2009. Agora, é o debate político. É preciso consolidar a lei em política pública, mais com o governo do Estado. Implementar o funk nas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) é um parto, não é fácil.
Brasileiros – Qual é sua avaliação sobre a atual política de segurança pública no Rio de Janeiro e qual a sua opinião sobre o filme Tropa de Elite 2?
M.F. – O filme é uma bela contribuição que o José Padilha dá, acho que é um filme que mexe com entretenimento, mas com responsabilidade social, traz o debate sobre as milícias para o andar de cima. Foi bom que tenha saído depois das eleições, assim ninguém vai dizer que nossos votos foram dados ao deputado Fraga (personagem inspirado em Marcelo Freixo) e sim para a gente. No meu entendimento, os atores tiveram grande atuação. Não sou crítico de cinema, mas a minha sensação é que os atores contribuíram muito. E não só, desde o Bráulio Mantovani, roteirista, até o Lulinha, responsável pela fotografia, todos são impressionantes. O Padilha, que é um diretor diferenciado, não foge da polêmica para todos os lados, está longe de buscar consensos, e acho isso ótimo.Tem um ano e três meses que eu li esse roteiro, fiz várias sugestões, reuniões, discutimos, acompanhei algumas cenas, ajudei no que pude. Tinha uma expectativa muito grande e o filme superou minha expectativa. Tem muita coisa de ficção e tem muito diálogo com a realidade, é tudo muito misturado. Aliás, uma das coisas mais interessantes do filme é fazer essa mistura, fazer com que a população fique tentando saber quem é quem. Esse jogo é muito legal. Porque pode ser um, pode não ser o outro, podem ser todos. Tirando o Fraga, que se identifica muito à minha história, nem o Padilha esconde isso, os demais personagens misturam várias histórias. Faz a população rir e pensar politicamente. E, no que diz respeito à caracterização da milícia no filme, acho que eles foram perfeitos. Eu estudei as milícias, investiguei esses caras durante muito tempo. O filme é preciso. Eles assistiram a todas as sessões da CPI das Milícias. Bráulio Mantovani assistiu a todos os vídeos da CPI das Milícias. Então, eles sabiam do que estavam falando. Então, acho que eles foram de uma felicidade incrível ao retratar o perfil dos milicianos.
Brasileiros – As milícias continuam sendo o maior problema da segurança pública do Rio de Janeiro?
M.F. – A cada momento mais. Foi feita a prisão de líderes, principalmente pela Delegacia de Repressão ao Crime Organizado (DRACO) depois da CPI, mas prender os líderes não resolve. Milícia é máfia, a gente precisa tirar o braço econômico e o domínio territorial deles. Isso não foi feito no Rio de Janeiro, e eles continuam crescendo, o número de milícias é cada vez maior no Rio, mesmo com suas lideranças presas.
Brasileiros – As sugestões de combate aos braços econômicos das milícias não foram adotadas?
M.F. – Das propostas feitas pela CPI das Milícias, que mexem no braço econômico e territorial, nada foi feito. Até agora, a ação foi policial, não foi política.
Brasileiros – A polícia do Rio está sem controle?
M.F. – Você não tem ouvidoria, não tem corregedoria funcionando adequadamente, as estruturas são falhas, o nível de controle sobre a polícia é muito falho. E o nível de controle sobre a milícia é inexistente. Você tem a DRACO fazendo um trabalho excelente, mas é só uma delegacia, também com uma estrutura precária, que não vai resolver o problema das milícias. Quem tem de resolver é o Estado. É o Estado que tem de retomar o controle de territórios e cortar o braço econômico deles. Tira do gás, da van, do “gatonet”. Se não fizer isso, vão continuar crescendo.
Brasileiros – E o tráfico de drogas?
M.F. – O combate ao tráfico de drogas no Rio é muito mais utilizado para justificar a repressão aos lugares pobres do que qualquer outra coisa. Muito mais para legitimar a criminalização da pobreza que qualquer outra coisa. As armas não são apreendidas nunca nos portos e nas estradas, sempre são apreendidas nas favelas e todo mundo sabe que arma não é produzida na favela. Idem para as drogas. Então, o que se enfrenta não é o tráfico, se enfrenta a favela. O BOPE, que deixou de ser especial para virar cotidiano, entra e age exclusivamente nas favelas do Rio. Então, o que se tem é uma política de segurança voltada para o controle da pobreza. Isso legitima o processo de criminalização da pobreza, porque você legitima a ideia de onde mora o medo, onde mora o crime, você cria o CEP do crime. Você não enfrenta nunca o lucro do negócio, você enfrenta a ponta miserável do crime. Favela tem droga, tem arma e tem miséria, desemprego, abandono. E, aí, você escolhe onde as pessoas vão morrer. Você escolhe onde o Estado vai ser instrumento de barbárie. A lógica da segurança pública histórica desse governo é essa. E isso precisa ser quebrado. O chamado tráfico de drogas não é o grande problema do Rio de Janeiro. Até porque só há varejo da droga com corrupção policial. Não há nenhuma favela do Rio em que o tráfico funcione sem corrupção policial. Então, é a polícia barata e violenta se aliando a uma juventude abandonada e pobre. Esse caldo de cultura de organização da cidade é muito perverso. São homens de preto matando homens pretos ou quase todos pretos. Essa é a desgraça carioca. Não precisa de muro, de cerca, a polícia faz esse trabalho. Cria-se a legitimidade para isso a partir do medo que a sociedade tem. O medo cria na gente a tolerância para a naturalidade desses fatos – caveirão, autos de resistência fajutos, muros, barreira acústica… A gente vai naturalizando esse processo institucional de criminalização da pobreza. Então, o problema do tráfico não é um debate de criminalidade, mas um debate de concepção de cidade, de Estado. Esse é o debate que a gente tem de fazer. O tráfico é crime da miséria, crime da barbárie. As facções criminosas são gritos do medo organizado de dentro do sistema prisional pelo próprio Estado. Então, não representam nem de longe o crime organizado. Milícia é crime organizado. Porque é operado por agentes públicos com braços no Estado e com projeto de poder. O varejo das drogas nas favelas não tem nada de organizado. O tráfico internacional de armas sim, o tráfico internacional das drogas sim. Mas isso não tem nada a ver com a favela.
Brasileiros – O que você pensa em fazer no próximo mandato?
M.F. – A votação que a gente teve nos leva a crer que devemos continuar trabalhando o eixo de segurança pública e direitos humanos. Juntar o que tem de bom no Rio, juntar as pessoas boas no Rio. Durante essa entrevista, o Frei Betto telefonou dizendo que está feliz com a vitória, que é soldado raso do mandato. Tem muita gente boa, muita coisa boa acontecendo. O mandato tem de ter a capacidade de juntar isso, de transformar em ação política. De ser voz dos movimentos sociais, mesmo que contra a opinião pública em vários momentos. Tem uma questão que é central no Rio de Janeiro que é a preparação para os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo, que a gente tem de estar muito atento ao projeto de cidade que vai nascer. Acho que o mandato vai ter um papel importante nesse acompanhamento. O Brasil não pode ganhar medalha de ouro em segregação social, removendo favelas, por exemplo.

O Globo e Veja: duas visões sobre a lei da homofobia

Enquanto a Veja classifica o PL 122 – que torna crime a discriminação por homofobia – como o “AI-5 dos homossexuais”, o jornal O Globo publicou editorial defendendo a aprovação da Lei.
Leiam abaixo
As deploráveis cenas que mostram cinco jovens (quatro deles menores de idade) agredindo rapazes na Avenida Paulista, sem motivo aparente e, tudo indica, apenas pela suspeita (ou pelo “incômodo”) de as vítimas serem homossexuais, devem ser vistas como preocupante advertência de que as cada vez mais constantes manifestações de intolerância no país precisam ser combatidas com ações imediatas e exemplares do Estado. Este não foi um episódio isolado. Dias antes, um soldado do Exército atirou num jovem que, pouco antes, havia participado no Rio de uma passeata em protesto contra a homofobia.

A estes exemplos juntam-se outros, materializados em atos discriminatórios que nem sempre chegam à violência de fato, mas que, igualmente, são inaceitáveis evidências de sério desvio social. Autores de agressões físicas, verbais ou psicológicas a cidadãos unicamente por suas opções sexuais são movidos pela mesma linha de pensamento, retrógrado e destituído de qualquer traço de racionalidade, que leva grupos incivilizados a atacar prostitutas, a agir de forma racista, a agredir correntes religiosas com as quais não comungam — enfim, a praticar toda sorte de intolerância.

No caso específico da homofobia, trata-se de dar pronta resposta a odiosos atos de selvageria, que, num crescendo, vão numa direção que ultrapassa a fronteira das manifestações de discriminação (no trabalho, na escola etc.) para ingressar no macabro terreno da violência física. Levantamentos recentes, com base em registros das polícias estaduais, mostram que cerca de 200 homossexuais são assassinados por ano no país. É uma estatística contundente, retrato de um desvio social grave que precisa ser reprimida com firmeza.

Disso trata o projeto de lei 122/2006, em tramitação na Câmara dos Deputados, propondo a criminalização da homofobia.

O texto define como crime a discriminação por orientação de sexo e identidade de gênero, e estabelece que o autor de atos de intolerância e segregação sexual fica sujeito a penas que vão de reclusão a multa. Sua aprovação dotará o Estado de um eficiente dispositivo legal para punir uma infração não suficientemente tipificada no Código Penal.

É fundamental que assim o seja. O país já dispõe de legislação apropriada para punir outras expressões de intolerância e doença sociais — como as leis que prescrevem penas em casos de manifestação de racismo ou de agressões contra a mulher no âmbito doméstico ou familiar. A adoção de um dispositivo legal específico é providência imprescindível para dotar o Estado de um instrumento coercitivo capaz de inibir, ou, se for o caso, punir selvagens como aqueles que praticaram agressões no Rio e em São Paulo. Paralelamente a essa iniciativa pontual, devem ser promovidas, em âmbito nacional, ações mais amplas, estratégicas, de esclarecimento e de estímulo a mudanças de comportamento, que condenem a intolerância em todas as suas vertentes.

O Brasil que aspira a se tornar uma nação de ponta não pode crescer com pés de barro, dando abrigo ao barbarismo de grupos intransigentemente fora de sintonia com a Civilização.